Uma das mesas mais aguardadas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano juntou Caetano Veloso e o filósofo espanhol Paul B. Preciado, neste sábado (5).
Os dois discutiram temas como sexualidade, gênero e o período que o cantor passou preso, durante a ditadura militar no Brasil.
Na conversa, Caetano mencionou que o cárcere abalou sua sexualidade, inclusive em relação a pessoas do mesmo gênero. "O espaço muito masculino da prisão militar causou um apagão no meu Narciso, na minha atração sexual e sentimental por homens", lembrou.
"Fiquei com uma rejeição sexual em relação à figura dos homens, que eu não tinha."
O tema também é abordado por Caetano no livro "Narciso em Férias", em que o artista detalha a experiência na prisão, e no documentário de mesmo nome, disponível no Globoplay.
Definido por militares na época como "subversivo e desvirilizante", Caetano costuma dizer que os 54 dias na prisão lhe causaram um "apagamento do reconhecimento" de si mesmo, de seu "Narciso". Daí vem o título das obras.
Na conversa, o cantor ainda relembrou paixões por homens e mulheres na juventude. Mas explicou que recusava o rótulo de bissexual.
"Muitas pessoas que eu conhecia usavam essa expressão, 'bissexual', para efeitos muito inautênticos. Então eu dizia: 'também não quero'.”
Masculinidade e violência
Preciado, que recentemente lançou “Um apartamento em Urano”, um relato sobre sua transição de gênero, refletiu sobre a relação entre a masculinidade e a violência.
"A masculinidade soberana se define pelo uso legítimo da violência. A história da modernidade colonial é também uma história do patriarcado, que fabricou corpos soberanos ao lhes conceder o monopólio legítimo dessa violência", afirmou.
"E esse corpo soberano é um corpo masculino e branco, que tem o poder de ferir e matar outros corpos subalternos."
A mediação da mesa foi do jornalista Ángel Gurría-Quintana. A 18ª edição da Flip acontece em 2020 em formato virtual por causa da pandemia do coronavírus. O evento termina neste domingo (6).