A Venezuela convocou nesta quarta-feira (30) seu embaixador em Brasília para retornar ao país. Em comunicado, o governo venezuelano também classificou as falas do assessor da Presidência Celso Amorim sobre "quebra de confiança" entre Brasil e Venezuela como "declarações intervencionistas e grosseiras".
A convocação de um embaixador é uma espécie de repreensão de um país a outro na linguagem diplomática internacional. A atitude desta quarta-feira é o episódio mais recente da crise diplomática entre os governos de Brasil e Venezuela.
As tensões se intensificaram após a eleição presidencial venezuelana, quando Maduro foi declarado vencedor em um resultado contestado pela oposição e por órgãos internacionais, com acusações de falta de transparência.
A declaração de Celso Amorim questionada pelo governo venezuelano foi dada em audiência na Câmara dos Deputados nesta terça-feira. O governo Lula insiste na necessidade de apresentação das atas eleitorais, que comprovariam o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), para reconhecer a vitória de Maduro no pleito.
Na semana passada, o Brasil se posicionou contra a entrada da Venezuela no Brics durante cúpula realizada em Kazan, na Rússia.
O governo Maduro citou nominalmente Amorim no comunicado e afirmou que declarações dadas pelo assessor especial da Presidência "constituem uma agressão constante que mina as relações políticas e diplomáticas entre os Estados, ameaçando os laços que unem os dois países".
"Amorim tem se comportado mais como um mensageiro do imperialismo norte-americano e se dedicado, de maneira impertinente, a emitir juízos de valor sobre processos que são responsabilidade exclusiva dos venezuelanos e de suas instituições democráticas", afirmou o comunicado.
Além de chamar de volta o diplomata que está em Brasília, o governo venezuelano também convocou o representante de negócios do Brasil para dar explicações.
O governo brasileiro não reagiu à convocação até a a última atualização desta reportagem.
De acordo com o Blog da Julia Duailibi, o Itamaraty não deve responder publicamente ao gesto da Venezuela.
Relações estremecidas
Nas eleições de julho, Edmundo González foi o candidato da coalizão de oposição que disputou as eleições presidenciais contra Maduro. Corina Machado é a principal opositora do presidente venezuelano e foi impedida de concorrer pela Suprema Corte em janeiro.
Citando um possível ataque hacker, o CNE se recusou a divulgar as atas eleitorais que mostram os votos depositados nas urnas, mas declarou Maduro vencedor. A oposição reuniu atas por conta própria que atestariam a vitória de González.
O governo brasileiro atuou como observador internacional das eleições, assim como o Centro Carter. O Brasil cobra a divulgação das atas para considerar válidos os resultados do CNE.
Já o Centro Carter afirma que o pleito "não atendeu aos padrões internacionais de integridade e não pode ser considerado democrático", e que a autoridade eleitoral "demonstrou claro viés" em favor do atual presidente, Nicolás Maduro.
Desde então, Maduro e aliados têm dado declarações hostis contra o Brasil, membros do governo Lula e funcionários do Itamaraty.
Veja a íntegra do comunicado do Ministério das Relações Exteriores venezuelano:
"O Ministério do Poder Popular para as Relações Exteriores da República Bolivariana da Venezuela convocou, hoje, o encarregado de negócios da República Federativa do Brasil, com o objetivo de manifestar seu mais firme repúdio às recorrentes declarações intervencionistas e grosseiras de representantes autorizados pelo governo brasileiro, em particular as feitas pelo assessor especial de Assuntos Exteriores, Celso Amorim, que, comportando-se mais como um mensageiro do imperialismo norte-americano, tem se dedicado, de maneira impertinente, a emitir juízos de valor sobre processos que são responsabilidade exclusiva dos venezuelanos e de suas instituições democráticas. Tais declarações constituem uma agressão constante que mina as relações políticas e diplomáticas entre os Estados, ameaçando os laços que unem os dois países.
Da mesma forma, foi manifestado o total repúdio à atitude antilatino-americana, contrária aos princípios fundamentais da integração regional expressos na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e na longa história de unidade na nossa região. Essa atitude foi consumada pelo veto aplicado pelo Brasil na cúpula dos Brics em Kazan, pelo qual a Venezuela foi excluída da lista de convidados como membros associados da referida organização.
Denunciamos, também, o comportamento irracional dos diplomatas brasileiros que, contrariando a aprovação do restante dos membros dos BRICS, adotaram uma política de bloqueio, semelhante à política de Medidas Coercitivas Unilaterais e de punição coletiva ao povo venezuelano.
Foi expressado que a Venezuela reserva-se, no marco de sua política exterior, o direito de tomar as ações necessárias em resposta a essa postura, que compromete a colaboração e o trabalho conjunto desenvolvidos até então em todos os espaços multilaterais.
Por fim, informamos à comunidade nacional e internacional que, seguindo instruções do presidente Nicolás Maduro Moros, decidiu-se convocar imediatamente para consultas o embaixador Manuel Vadell, que exerce nossa representação em Brasília."