Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão trabalhar no recesso da Corte, que começa neste domingo. O movimento atípico foi comunicado ao presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, pelos colegas Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. A decisão dos quatro, antecipada pelo colunista Lauro Jardim, é vista como uma forma de esvaziar o poder de Fux de decidir sozinho durante o período.
O plantonista, que em geral é o presidente da Corte, assume os casos urgentes e pode dar decisões monocráticas quando o tribunal está em recesso. O mecanismo é alvo de polêmica antiga, sobretudo pela percepção de que muitas ações são ajuizadas no período, de acordo com o perfil do plantonista, porque dificilmente seriam deferidas por outros ministros.
Uma das ações controversas neste recesso é a um habeas corpus que pede a derrubada de uma liminar, dada por Fux, que suspendeu por tempo indeterminado a implementação do juiz de garantia — mecanismo que prevê um magistrado para conduzir a fase inicial das investigações. Depois de recebida a denúncia pela Justiça, o caso passa a ser tocado por outro juiz, que decidirá se o réu é culpado ou inocente. A intenção da regra é dar mais imparcialidade às decisões judiciais.
A figura desse juiz foi aprovada pelo Congresso no chamado pacote anticrime e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no ano passado. Fux suspendeu esse trecho da lei até que o plenário julgasse o caso, o que ainda não ocorreu. O HC, ajuizado pelo Instituto de Garantias Penais, ainda não foi distribuído para um ministro ser o relator.
A decisão dos quatro ministros de se manterem trabalhando no recesso foi vista como uma forma de evitar que o caso caia nas mãos de Fux e, tendo em vista a liminar dele, seja negado. Principalmente pelo perfil deles: Marco Aurélio, Lewandowski e Gilmar são considerados garantistas, ou seja, mais afeitos aos direitos dos réus, e Alexandre de Moraes já se manifestou favorável ao juiz de garantias.
Ao GLOBO, Marco Aurélio Mello afirmou que decidiu trabalhar durante o recesso porque permanecerá em Brasília, por conta da pandemia, e negou que a decisão tenha relação com o HC do juiz de garantias. Ele adiantou, ressaltando não conhecer o pedido, que não concede HCs coletivos — esse é o caso em questão.
"Eu não tenho conhecimento. Parece que é um habeas corpus. Agora, eu não estou entendendo, porque geralmente habeas corpus é para preservar com relação ao cidadão a liberdade de ir e vir. E parece que se trata de um habeas corpus coletivo. Eu, individualmente, não concedo habeas corpus coletivo", disse.
O ministro disse que também trabalhou no recesso de julho, quando o presidente do STF era Dias Toffoli. O Supremo confirmou que ele e Alexandre de Moraes já adotaram a mesma postura, de avisar que estariam trabalhando, em outras ocasiões passadas.
Marco Aurélio nega que tenha decidido trabalhar como forma de disputar protagonismo ou mesmo retaliar Fux, com quem já teve embates, especialmente após o presidente derrubar uma liminar sua que soltou o traficante conhecido como André do Rap .
"Eu não sou uma pessoa de retaliar. Eu simplesmente sinto. Escorrega comigo como o presidente (Luiz Fux) escorregou, cassar minha decisão e me submeter à execração pública, fico triste, adoto a postura que entendo que devo adotar, mas não adoto retaliação. Eu sou um bom cristão", disse Marco Aurélio.
"Ficando aqui eu adianto a minha parte. Eu estou isolado, acho que é a melhor vacina por enquanto. Não vou agora baixar guarda e ir para o Rio", completa.
O gabinete do ministro Ricardo Lewandowski informou que ele continuará despachando nos processos sob sua relatoria durante o recesso forense e o mês de janeiro. Segundo a nota, sendo relator de diversos processos sobre a Covid-19 , ele "não se sente no direito de descansar diante do enfrentamento da pandemia". "Está isolado em casa desde março, trabalhando normalmente e entende ser importante colaborar com a Presidência do STF, tendo em vista o acréscimo no volume de processos que a pandemia trouxe à Corte", afirma o comunicado.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, é um dos que assinam o HC protocolado no Supremo. Ele reclama que o processo ainda não foi distribuído. Kakay argumenta que o habeas corpus coletivo não levará à soltura de criminosos condenados presos nem haverá anulação de processos.
"O pedido é para que seja revogada a decisão do ministro Fux, uma decisão de janeiro. E o mais importante deste caso é que isso vá ao plenário. Juiz de garantia é a maior conquista do processo penal brasileiro", diz o advogado.