Os familiares de Milton Gonçalves Dias, 56 anos, buscam o direito de velá-lo dignamente e com todos os parentes e amigos. Ele faleceu neste domingo, 17 de agosto, vítima de um acidente de trânsito enquanto dirigia um caminhão e sofreu traumatismo craniano. Após ser internado em Guarantã do Norte, Milton foi transferido para o Hospital Municipal de Cuiabá (HMC), onde faleceu devido à gravidade dos ferimentos. Apesar da causa da morte, a família está sendo impedida de velar o corpo porque o caminhoneiro foi incluído como suspeito de estar infectado pela covid-19.
De acordo com o filho de Milton, Édipo Augusto, a transferência para o HMC só foi autorizada após a família pagar a quantia de R$ 700 para realizar um teste de covid e dar negativo, pois o Hospital Municipal de Cuiabá não está recebendo pacientes com o novo coronavírus.
O exame de SARS-COV-2 ANTI BODY TEST, realizado no dia 13 de agosto, atestou que Milton era não reagente à covid-19. O caminhoneiro acabou tendo uma piora no quadro de saúde e acabou morrendo no HMC.
Mari Ferraz, amiga da família, disse que o exame de coronavírus não foi realizado em Mlton pelo HMC, mas, mesmo assim, no atestado de óbito foi colocado que a vítima está com suspeita de covid-19. Por conta disso, o velório não pode ser realizado normalmente.
“Os familiares gastaram mais de R$ 700, 00 para fazer o exame, comprovou que não tinha covid-19 e, mediante à comprovação, solicitaram a transferência dele para Cuiabá. Ele estava sendo encaminhado para o Só Trauma, mas o HMC passou na frente e disse que tinha vaga e que era para vir para cá operar o fêmur que foi fraturado no acidente. Ele ficou dois dias consciente aqui, ai foi entubado na UTI [Unidade de Terapia Intensiva], onde acabou morrendo”, detalha Mari.
Após a morte e atestado de óbito, o corpo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML), onde a família relata que começou as contradições nas informações. Maxsuely Acioli detalha que inicialmente foi dito que o exame de necrópsia foi realizado em Milton e morte diagnosticada com traumatismo craniano, porém em seguida, a equipe médica disse para a família que na verdade o exame não foi realizado e o corpo encontra-se dentro do saco cadavérico impermeável.
Os familiares dizem que é um descaso e que estão todos sofrendo sem poder enterrar dignamente Milton.
“Estamos tentando que ele tenha um enterro digno, pois morreu no exercício da função, que era transportando carga para o Brasil inteiro. Queremos enterrá-lo como merece, ele tem família e não é indigente. Vamos levar isso a todo mundo e vamos lutar pelo direito dele sim”, explica Mari.
Os familiares também explicam que procuraram a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) pra resolver o caso, mas foram orientados a procurar o Laboratório Central de Saúde Pública de Mato Grosso (Lacen-MT) para acelerar o processo do resultado e provar que Milton não estava com covid-19.
“Procuramos o Lacen e eles alegaram que o exame ainda nem foi para lá para poder dar o resultado. Estamos indo lá novamente, mesmo não sendo nossa obrigação ir lá, e isso é uma sacanagem porque tudo hoje em dia é corona”, pontua Maxsuely.
Outro lado:
A nossa reportagem procurou a Perícia Oficial de Identificação Técnica (Politec) e também a SMS para entender a posição dos órgãos a respeito do caso.
A Secretaria de Saúde disse que após realização de exame de tomografia levantou-se a suspeita de pneumonia por coronavírus e que foi realizada a notificação da Vigilância Epidemiológica para coleta de material para diagnóstico, que não ficou pronto ainda.
A SMS acrescenta que o paciente foi a óbito devido aos ferimentos causados pelo acidente, porém, pela possibilidade de ele estar infectado com o vírus, o risco de infectar as pessoas durante o velório é muito grande.
Já a Politec explicou que o corpo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal mediante requisição de necrópsia por parte da Deletran e se apresentava no interior de saco cadavérico impermeável com a suspeita de covid-19 informada pela instituição de saúde.
Confira abaixo as notas na íntegra:
NOTA SMS:
“Sobre o paciente Milton Gonçalves Dias, a Secretaria Municipal de Saúde esclarece:
-Foi vítima de acidente de transito, transferido para o Hospital Municipal de Cuiabá – Dr Leony Palma de Carvalho, onde realizou tomografias que levantaram suspeita de pneumonia por Coronavírus
-Foi realizada a notificação da Vigilância Epidemiológica para coleta de material para diagnóstico, que não ficou pronto ainda;
-Diante disso também foi informada à POLITEC na ocasião do óbito de que havia suspeita de Coronavírus. O corpo foi encaminhado corretamente, embalado em invólucro impermeável, de acordo com as disposição sanitárias vigentes;
-Este tipo de conduta é obrigatória tanto para óbitos confirmados ou suspeitos de COVID-19.
-Os tramites posteriores da necropsia e liberação do corpo são responsabilidade da POLITEC.
-O paciente foi a óbito devido aos ferimentos causados pelo acidente, porém, pelo fato de terem constatado que ele estava com o vírus, o risco de contaminar as pessoas durante o velório é muito grande.”
NOTA POLITEC
“O cadáver do Sr M.G.D. vítima de acidente de trânsito foi encaminhado do HMC para o IML mediante requisição de necropsia da DELETRAN, e se apresentava no interior de saco cadavérico impermeável com a suspeita de COVID-19 informada pela instituição de saúde.
Diante disso, cabe ao IML apurar a identificação técnica e a causa mortis do indivíduo, não havendo meios de descartar a suspeita da COVID-19 na oportunidade da necropsia. A menção à suspeita de COVID-19, informada pelo hospital, na Declaração de Óbito é obrigatória de acordo com as disposições sanitárias vigentes”