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Cidades Domingo, 24 de Janeiro de 2021, 10:38 - A | A

Domingo, 24 de Janeiro de 2021, 10h:38 - A | A

SITUAÇÃO PREOCUPANTE

Mesmo na cheia, baía de Chacororé vira pasto em Barão de Melgaço

Natália Araújo
Gazeta Digital

A paisagem está tomada por um verde vivo com alguns bois e cavalos distribuídos em meio ao mato. Ora os animais descansam e ruminam, ora correm ou andam sem pressa, de um lado para outro. Assim está a baía, porém, hoje pasto, de Chacororé, em Barão de Melgaço (113 km ao sul de Cuiabá). A seca que ainda domina a região, que já deveria contar com um volume substancial de água, preocupa quem tem o manancial como sua principal fonte de sustento e nunca viu um cenário tão triste e desolador.    

A rotina ainda tem início na madrugada. Por volta das 6 horas da manhã, Valmir Martins, 37, está com as mãos nas verduras e folhas de uma pequena plantação próximo da casa onde reside com a mulher e os 4 filhos. Essa foi a opção que encontrou para conseguir sobreviver.  

Antes, a renda principal vinha da pesca sob encomenda. A busca pelos peixes começava por volta das 4 horas da manhã, quando pegava o barco e ia até a Porta Grande, uma região da Baía de Chacororé. “Saía com uma caixa grande de isopor, com as iscas e também para colocar os peixes que pegasse”, lembra. Os principais pescados eram o pacu, pacupeva, piau e até mesmo piranha. A pesca ia até o meio da tarde, quando voltava e ia fazer a entrega dos peixes encomendados.    

Há meses, o barco está atracado, envolto pela areia. Serve apenas para se sentar e observar o verde que tomou conta do lugar. “É bonito, sim, mas é muito triste conviver com isso aqui”, lamenta o pescador.  

Para conseguir chegar até a água, é preciso caminhar em torno de 100 metros ou um pouco mais. “Nunca vi a água tão baixa. Teve dia que colocamos galões para os animais não ficarem com sede”, relata Valmir, indicando pequenos macacos e pássaros como os principais visitantes no período seco.  

Nesta época do ano, de cheia no Pantanal, “a água deveria estar aqui”, aponta ele para umas árvores próximas à embarcação. “Em tempo bom, aqui tem até onda”, relata. Valmir comenta que há alguns dias ocorreram chuvas na região, mas não foram suficientes para causar um impacto na baía. “Ficou um pouco mais alagado, mas, depois, a água foi absorvida pela terra”, comenta.    

A última cheia, relativamente boa, foi em 2019. Mas, ainda assim, não foi como o esperado pela população. No ano passado, com a seca assolando todo o Estado, a baía também foi afetada. Agora, com a pouca chuva, o cenário se mantém preocupante entre os pescadores de diferentes gerações. “Ali está baixando há tempos, mas está ficando cada vez pior. Além disso, não tem mais peixe”, diz o pescador Isidório Rei da Luz, 65, com um sotaque cantado. “Tanto na Baía de Chacororé, quanto no rio Cuiabá, a gente não consegue mais pegar peixe. Este ano, nem quero pensar como vai ser”, lamenta Luiz Carlos de Sousa Filho, 43.  

Obstruções

No pensamento dos pescadores, além da forte seca causada por uma mudança climática, as baixas do rio Cuiabá e da Baía de Chacororé têm ainda como causas o fechamento dos corixos e a construção da barragem de Manso.  

As obstruções, de acordo com a população ribeirinha, têm feito o volume diminuir cada vez mais. Os corixos são canais que ligam as águas de baías, lagoas ou demais pontos alagados, que se formam em épocas chuvosas para desaguar em áreas molhadas maiores.  

Nas regiões dos corixos, a água é vista apenas do lado do represamento do rio Cuiabá. A ponte de madeira praticamente não é usada por nenhum veículo que transita por ali. Todos passam pelos desvios terrosos, ao lado.  

No corixo Chacororé, em um dos lados, a água do rio Cuiabá forma uma grande piscina natural. O volume deveria ser alto o bastante para tomar conta da região e descer até a baía, carregando peixes se preparando para a desova. A única passagem possível deveria ser a ponte de madeira.  

Porém, agora, a água sequer passa pela manilha pequena instalada ali e os galhos secos tomam conta do canal.  “Depois que fechou o Manso e o pessoal tem bloqueado os corixos também, a desova dos peixes na Baía de Chacororé já não acontece da mesma forma. E, depois, os peixes não voltam para o rio Cuiabá desenvolvidos”, relata Luiz Carlos. “Se pegarmos alguns peixes aqui, eles ainda estão com os ovos na barriga”, informa o pescador, com relação aos exemplares que estão no rio.

“Mesmo depois de abrir a barragem ou liberar tudo o que está fechado, se encher de água, não vai ter peixe aqui, porque não teve a desova”, analisa Valmir, com relação à Chacororé.    

A incerteza e a tristeza têm sido as principais companheiras dos pescadores nos últimos tempos. Da baía e do rio cheios restam apenas as boas lembranças.  

“Teve uma época, na década de 1990, que o rio Cuiabá subiu tanto, que quase chegou ao asfalto”, lembram Isidório e Luiz Carlos. “Eu já cheguei a pegar pintado de 37 quilos e jaú de 45 quilos nessas águas”, conta João Batista da Cruz, que garante não ser história de pescador.  

Instituições    

Nas últimas semanas, a Baía de Chacororé ganhou destaque na mídia por conta de seu baixo volume de água. As instituições responsáveis pelo cuidado e monitoramento do meio ambiente têm se organizado para solucionar o problema encontrado.

O Ministério Público do Estado (MPE) abriu um inquérito civil público para averiguar as causas da degradação sofrida pela baía. A ação tramita na 16ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente Natural de Cuiabá, sob os cuidados do promotor Joelson de Campos Maciel.  

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente garante que tem tomado as medidas necessárias para evitar um agravamento da situação e, também, por uma recuperação da área já afetada. Inclusive, há um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o MPE e o Estado com as diretrizes e ações a serem adotadas.  

Por fim, a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) também irá in loco nos próximos dias. A professora de pós-graduação em Ciências Ambientais, Carolina Joana da Silva, explica que uma equipe irá até a região da baía para tentar identificar as causas e os danos sofridos pela baía.

Cuiabá MT, 12 de Maio de 2025