"Meu último ano de ensino médio foi completamente perdido”, desabafou Maria Vitória de Almeida Silva, estudante da rede pública estadual, em conversa com a reportagem do Estadão Mato Grosso. Assim como ela, milhares de outros estudantes enfrentaram dificuldades para dar continuidade aos estudos durante a pandemia causada pelo novo coronavírus.
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Pesquisa feita pelo Instituto Unibanco, em parceria com o Insper, aponta que os estudantes do ensino médio aprenderam apenas 25% do que era esperado para o ciclo da segunda série durante o ano de 2020. A pesquisa traduz o sentimento de Maria Vitória sobre seu aprendizado.
“Terminei o ensino médio sem entender muita coisa. Não aprendi tudo e acabei levando nas ‘coxas’, só pra concluir mesmo. Durante a pandemia, tínhamos recém-saído de uma greve, então, querendo ou não, estávamos atrasados ainda e ficar fora das salas de aula piorou a situação”, conta Maria Vitória.
As aulas presenciais na rede pública de ensino estão suspensas desde março de 2020. O retorno no sistema híbrido era previsto para junho deste ano, mas com o aumento de casos da covid-19 foi novamente adiado. Esse vaivém tem causado muitos transtornos, sendo os estudantes os mais prejudicados.
Vitor Alves, também estudante da rede estadual, conta que ainda não está adaptado ao modelo remoto. Recém-chegado ao Ensino Médio, ele tem se desdobrado para estudar e tentar entender o conteúdo das disciplinas.
“Passo o dia em casa e também tenho o privilégio de ter internet para estudar, mas tenho amigos que não têm essa condição. Eu tento ajudar e conforme vou aprendendo vou ajudando, já que todos nós estamos tendo dificuldades para aprender nesse novo jeito de estudar”, disse o estudante.
Segundo Silas Borges Monteiro, professor do Instituto da Educação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o problema não está no ensino remoto, mas sim na dificuldade do aluno em estudar remotamente, por falta de estruturas básicas. A falta de luz, computador, internet e de um ambiente propício para aprendizado dentro dos lares brasileiros refletiu profundamente neste um ano de pandemia.
"O ensino remoto agravou o indicador de que as famílias de baixa renda não têm estrutura mínima para atender seus filhos. Quando essa criança vai para a escola, ela recebe alimento, tem acesso à energia elétrica, ao computador e ao professor, dentro de um ambiente propício para estudar, e consegue ter um desempenho melhor. Com a pandemia, essa criança às vezes não tem nem acesso à energia, o que dificulta o aprender em casa", explica.
O problema, de acordo com o professor, está na estrutura da organização da sociedade brasileira que excluiu esse aluno e a escola, agora fechada por conta da pandemia, minimizava essa exclusão. “Esse corte socioeconômico que já existia antes da pandemia, mas que durante ela foi agravado, dá a impressão que o problema foi o ensino remoto. Mas o problema está na falta de dignidade com essas famílias”, aponta.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) Contínua, em 2019 cerca de 4,3 milhões de estudantes em todo o país não tinham acesso à internet, seja por razões econômicas ou indisponibilidade do serviço na área em que vivem. Desse total, 4,1 milhões são alunos da rede pública. A pesquisa investigou, no último trimestre de 2019, o acesso à Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). As informações foram divulgadas no dia 14 de março deste ano.
“Hoje essa realidade é ainda mais grave. As famílias estão tendo que escolher se pagam a conta de energia ou comem. Se não fosse um problema, eu diria que não teríamos problemas. A pandemia veio para escancarar as diferenças sociais e econômicas que o estado brasileiro impõe a determinadas partes da população e isso ficou bem evidente”, finalizou.
Só rede estadual ‘ficou pra trás’
O governo trabalhava para retomar as aulas presenciais na rede pública, no sistema híbrido, no mês de agosto. Mas na última quarta-feira (30), deputados estaduais derrubaram o veto do governo ao projeto que condiciona o retorno das aulas na rede estadual à imunização completa dos profissionais. Com a derrubada, as aulas presenciais no estado deverão ser adiadas e só poderão retornar quando 100% dos profissionais tiverem recebido a segunda dose do imunizante.
Só que a decisão se aplica apenas à rede pública estadual e não se aplica às escolas municipais e particulares, que estão tendo aulas presenciais desde que foi sancionada a lei que transformou a Educação em serviço essencial, proibindo o fechamento de escolas durante a pandemia de covid-19. Em Mato Grosso, pelo menos 39 municípios já definiram as datas para retorno das atividades de forma híbrida. Na capital, por exemplo, a previsão é que as aulas retornem no dia 1º de agosto.
A rede estadual conta com 31.540 profissionais e, até o momento, foram disponibilizadas 63.415 doses de vacinas, sendo 49.328 para trabalhadores do Ensino Básico e 14.177, para do Ensino Superior. De acordo com o sistema oficial do Ministério da Saúde, os municípios informaram que 50.030 trabalhadores da Educação Básica e 6.765 trabalhadores do Ensino Superior já receberam a primeira dose de vacina.
O texto de autoria do deputado Thiago Silva (MDB) teve o apoio de 13 parlamentares, contra sete que votaram pela manutenção do veto. “A vacinação vem acontecendo em todas as cidades, mas, para que a gente possa dar uma segurança aos professores, a todos os pais, aos profissionais da Educação, é de sua importância a derrubada desse veto. Para que assim nenhuma daquelas cidades que, porventura, não tenha cumprido com a vacinação da Educação, ela venha cumprir de acordo com essa lei”, pontuou o deputado.