O Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas acima dos 60 anos. Setembro é o mês de prevenção ao suicídio e acompanhar o envelhecimento dessas pessoas requer uma atenção maior, principalmente nesse período de pandemia. Isso porque essas pessoas compõem o grupo de risco, estando mais vulneráveis ao novo coronavírus. A principal recomendação dos órgãos de Saúde é o isolamento social, o que afetou milhões de rotinas.
"Idosos não gostam de mudanças. Estamos vivendo uma situação atípica e eles sentem muito. Já são carentes, com a nova realidade precisaram ficar afastados dos filhos e netos, e sentiram muito mais. Com isso veio a angústia, a preocupação com o futuro, e se não cuidar pode se transformar em depressão", alerta a psicóloga gerontóloga Vera Capilé.
Trabalhando em um lar para idosos, Vera conta como a pandemia também mudou sua vida e impossibilitou que ela, aos 71 anos, desenvolvesse sua rotina de trabalho de tantos anos.
"De março até julho fiquei sem poder ir vê-los. Dos 42 idosos que trabalho, 90% tem alzheimer (doença que destrói a memória e funções mentais importantes) e já não possuem muitas lembranças dos familiares. Ao voltar ao trabalho no último mês, tomando todas as medidas de segurança exigidas, todos me receberam com muita alegria. Alguns até reclamaram de saudades [risos]", contou à nossa reportagem.
Nesses momentos de mudança, é importante ficar atento ao comportamento da pessoa idosa, pois ela é a primeira a apresentar alterações. "Se apresentarem tristeza extrema, observar que estão irritados, xingando muito, comportamentos não habituais deles, é bom procurar ajuda. As vezes um tratamento psicológico direcionado, ajuda a melhorar. O importante é o responsável por esse idoso conversar com ele, mostrar que procurando tratamento, ajuda ele e quem está ao seu redor", explica.
Capilé explica que devido à mudança, os idosos podem sim cair em depressão, mesmo que nem todos tenham tendência, mas sintomas como ansiedade, angústia, podem se agravar. Em 2017, o suicídio entre idosos com mais de 70 anos, registrou uma média de 8,9 mortes por 100 mil nos seis últimos anos. A média nacional é de 5,5 por 100 mil.
“Não veem mais possibilidades, nem portas e nem janelas abertas. Aí vem o pensamento de que poderia tirar a vida, pois fica naquela de que se morrer irá acabar tudo, o sofrimento, a dor. A ausência de possibilidades é o que leva ao suicídio. A depressão precisa ser combatida com ajuda de profissionais”, pontua.
Outra situação delicada é quando esse idoso perde um ente querido. "Quando isso ocorre, e podemos falar sobre as perdas para a covid-19, esse idoso sente à vontade de ir junto. É hora de ficar de olho, pois a depressão pode ser mais forte. Ele se questiona, deseja ter ido no lugar e a situação se agrava", explica.
Preocupados com o futuro
Segundo a gerontologa, o idoso está sempre preocupado com os familiares e o futuro e por isso já são ansiosos. Ela também alerta para situações significativas vividas por eles, como por exemplo, guerras, pestes, crises, que fazem parte da história de vida dessas pessoas.
"Escutei pessoas dizendo para pessoas mais velhas, que o momento seria bom para refletir. Mas isso não é certo. Não tem que refletir, eles vão ficar sozinhos, já estão com mais idade, não quer ficar refletindo. Depois o idoso adquire uma depressão e vão dizer que é dengo, frescura, mas não é. Não se brinca com isso, não é dengo, ele não está doente para se aparecer, ele está doente pois é difícil para todos nós", salienta.
Procura por profissionais
A busca por ajuda profissional é muito pequena, nos casos de idosos. Segundo Capilé, a procura ainda é maior entre os jovens. "É muito pouco os que procuram, mas procuram. Tenho tido uma procura grande de jovens que perderam o emprego, que sentem angustia sobre o futuro, vindo até mim por conta da pandemia, então os atendimentos são maiores entre eles. Pro idoso é mais difícil, por isso é importante que o responsável por ele converse e sugira procurar tratamento".
Sem culpa
Alguns idosos sentem-se muitos sozinhos devido a rotina dos responsáveis, Capilé explica que esse fator também pode agravar a depressão e que por isso é importante avaliar casas de apoio, lares e clínicas que ofereçam o serviço de cuidados.
“Sempre falo, muitas vezes é melhor [encaminhar] o teu idoso para um residencial, do que mantê-lo sozinho, isolado. E não precisa se sentir culpado por isso. O idoso precisa de atendimento 24 horas, alguns precisam conversar, socializar, outros precisam tomar remédios no horário, e o responsável não pode estar sempre ali. Então por que não procurar por locais que façam isso?”, questiona.
Para a psicóloga, é pior deixar o idoso sofrendo com a solidão do que o colocar em um lar. “A família pode ir visita-lo sempre que quiser e irá perceber que ali é o melhor local. Tenho o exemplo de uma paciente que chegou com depressão no lar, tratamos e os filhos queriam tirá-la de lá. Ela me pediu para conversar com eles, pois preferia ficar ali do que ficar sozinha no apartamento que morava”, recorda-se.