O tamanho do pacote de estímulo fiscal do governo foi determinante para a forte reação da economia brasileira no 3º trimestre, que cresceu 7,7%, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) camufla uma pandemia ainda fora de controle no país e que atrapalha as perspectivas para o crescimento do Brasil em 2021, segundo economistas ouvidos pelo G1.
Ainda que o Brasil tenha mostrado um ritmo de recuperação similar ao das grandes economias, o volume de estímulos e de ajuda do governo por aqui foi bem superior ao desembolsado por países emergentes e até mesmo desenvolvidos no combate do coronavírus.
A resposta do governo para a crise ajudou a evitar um tombo ainda maior da economia em 2020 e garantiu algum alívio para empresas e trabalhadores que se viram de uma hora para a outra sem renda. Mas, sob o aspecto sanitário, o Brasil aparece como o segundo país com maior número de mortes por Covid-19 no mundo e o terceiro em número de casos confirmados, segundo monitoramento da Universidade Johns Hopkins.
“Exatamente pelo fato da pandemia estar sendo tão mal combatida no Brasil sob o ponto de vista de saúde, isto está forçando uma reação mais forte em termos de intervenção de gasto do governo. Então fica um resultado um pouco enganador. O PIB acabou caindo menos por aqui porque tem este estimulante artificial”, afirma Fernando Veloso, pesquisador do Ibre/FGV.
Na avaliação do economista, à medida que os programas de auxílio forem encerrados, as consequências da ineficácia no combate à pandemia na trajetória de recuperação da economia brasileira ficarão mais evidentes.
“A ineficácia vai cobrar um preço muito alto. Não agora de imediato, mas no ano que vem porque não tem como estender esses auxílios todos, e com esse combate ruim da pandemia o mercado de trabalho não vai se recuperar bem também. A taxa de desemprego já está subindo, a informalidade também deve voltar com força, então isso impede que outros mecanismos econômicos, principalmente o investimento privado, substituam o auxílio emergencial que vai acabar”, avalia.
Os gastos do governo anunciados para combater os efeitos da pandemia já somam R$ 615 bilhões, segundo o Tesouro Nacional. Levantamento do Banco Central, a partir de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), mostra que as medidas de estímulo fiscal direto anunciadas no Brasil equivalem a 9,4% do PIB, o dobro da média dos países emergentes e inferior apenas ao de países como Japão (16,2% do PIB), Canadá (12,4%) e EUA (12,2%).
Para o economista Sergio Vale, da Consultoria MB Associados, diante do volume do gasto para estimular a economia seria desejável uma recuperação até mesmo mais forte do que a observada no Brasil, onde apenas parte dos setores eliminaram as perdas da fase mais aguda da pandemia. O setor de serviços, que possui o maior peso no PIB e o que mais emprega, continua bastante prejudicado, principalmente por reunir atividades tipicamente de aglomeração e que dependem do controle da pandemia para voltarem à normalidade.
“A recuperação observada no PIB de todos os países no terceiro trimestre, com números significativos, não foi muito diferente do resultado do Brasil. A questão é que, dado que a gente colocou esse caminhão de recursos monetários e fiscais, talvez era para ter tido uma recuperação ainda mais esfuziante, ainda mais forte”, afirma.
O economista lembra também que, por aqui, o afrouxamento das medidas de restrição e do isolamento social ocorreu de maneira mais rápida do que a observada em outros países.
"Na verdade não teve um lockdown como a gente viu acontecer na Europa, a gente não parou totalmente. É preciso colocar na conta também que a nossa quarentena foi muito mais frágil. Será que se o Brasil tivesse feito um lockdown mais agressivo do que um fajuto o nosso PIB não teria caído muito mais e a gente estaria falando de números muito piores? Eu acho que sim”, opina.
Vidas perdidas e segunda onda de Covid-19
Ainda que a Europa esteja passando por uma segunda onda de Covid-19, o maior rigor e eficiência no combate à pandemia lá atrás garantiu não só uma recuperação rápida de parte das perdas do 2º trimestre como também a redução do número de mortes e contaminações.
"Lá fora o lockdown foi severo e o controle da pandemia funcionou. Com certezas os estudos vão mostrar que a gente permitiu que muitas vidas fossem perdidas por conta de um lockdown mal feito lá no início", critica Vale.
"Esse meio do caminho que a gente teve ali em julho, agosto, com números ainda muito fortes, médias diárias de 1 mil mortes, talvez isso poderia ter sido evitado. Poderíamos eventualmente estar entrando numa segunda onda agora, mas com a perspectiva logo à frente que está vindo agora de uma vacina. A gente poderia teria economizado, salvado muitas vidas nesse período se tivéssemos feito algo mais agressivo” , continua.
Na visão do analistas, a piora da situação fiscal e a pandemia ainda fora de controle por aqui também atrapalham as perspectivas para uma retomada sustentável da economia brasileira.
A avaliação é que o ritmo de recuperação irá desacelerar significativamente já no 4º trimestre, com a redução do auxílio emergencial, aceleração da inflação, incertezas relacionadas à recuperação do mercado de trabalho e dúvidas sobre a capacidade do governo de dar prosseguimento à agenda de reformas estruturais o Congresso.
"A preocupação agora é como vai ser o quarto trimestre, com o auxílio emergencial menor e a pandemia voltando. Vamos ter um dezembro provavelmente com as pessoas ficando mais restritas", diz Vale.
Segundo Paloma Anós Casero, diretora do Banco Mundial para o Brasil, o alto gasto do governo com estímulo fiscal ajudou a conter o índice de pobreza do país em meio à crise. No entanto, o desafio para 2021 é lidar com os efeitos de uma segunda onda da Covid-19 e as dificuldades para distribuir a vacina em todo mundo.
"O estímulo fiscal aumentou muito o déficit público. É preciso manter o momento de reformas econômicas estruturais para aumentar a renda per capta e manter o crescimento do país", afirma Paloma.
Estimativas da instituição financeira apontam para um déficit público de 93,5% do PIB brasileiro em 2020 — o maior entre os BRICs (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Em 2019, esse percentual foi de 75,8%. Na Índia, a dívida deve chegar a 90,4% do PIB, enquanto na China, a projeção é de 52,4%.
Apesar das notícias promissoras sobre vacinas contra a Covid-19, os analistas afirmam também que não se pode descartar por enquanto a necessidade de prorrogação dos estímulos para o começo de 2021.
“Já tem um debate em torno disso. O governo não reconhece, mas já têm parlamentares propondo isso", afirma Veloso. "Quanto mais ineficaz for o combate à pandemia, mais isso vai atrapalhar o crescimento do ano que vem", acrescenta.
Juliana Inhasz, coordenadora de economia do Insper, concorda com Veloso sobre a necessidade de prorrogar os estímulos e destaca a "difícil herança fiscal" que o Brasil vai carregar em 2021:
"Devemos romper 2021 com déficit e perspectiva de dívida maiores, e o governo com pouco espaço para corte. Levando isso em consideração, ele [governo] vai ter que encontrar um jeito para se financiar ou vai complicar ainda mais as contas públicas e prejudicar sua credibilidade no mercado", analisa a economista.