Já estamos em fevereiro, é aqui que o ano começa. Apesar de tudo que estamos vivendo, esse período é sempre símbolo de recomeço, de esperança por dias melhores, de organização dos nossos projetos de vida.
É o momento ideal para pensar, também, em projetos de sociedade. Esses seriam capazes de mudar nossas vidas radicalmente. Não se trata de projeto social, de caridade. Falo de projeto de sociedade, assunto que, a pedido de uma leitora amiga, agora tento aprofundar.
O que é um projeto de sociedade? Grosso modo, é uma perspectiva de organização, social, econômica e política, na qual se estabelecem os papéis desempenhados pelo Estado, Mercado e Sociedade Civil.
Desde a década de 1990, vivemos sob a regência do projeto Neoliberal. Parece uma bagunça generalizada, mas não é. A ideia é essa mesma: o rico cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre, aprofundando a concentração de renda já existente. Assim os serviços públicos são precarizados, privatizados, e a população fica privada de direitos. Nesse momento, o projeto neoliberal funciona com perfeição.
No neoliberalismo o Estado é mínimo e o Mercado é máximo. Assim, a Ford pode tranquilamente ir para qualquer lugar que lhe renda mais lucro. Os desempregados e suas famílias que se virem. O Estado tem alguma responsabilidade? Não. Se você não está feliz com isso, você não gosta do neoliberalismo, escolha outro projeto de sociedade e lute por ele.
Embora o neoliberalismo esteja consolidado no Brasil, os projetos de sociedade estão em disputa o tempo todo. As instituições que fazem essa disputa mais explicitamente são os partidos políticos que, às vezes, trazem o nome dos projetos que teoricamente defendem, mas o que os define realmente é a prática – como se posicionam e votam.
Hoje, a grande maioria dos partidos segue o “baile” neoliberal. Por isso, “adversários” como Partido Social Liberal (PSL) e Partido dos Trabalhadores (PT) conseguem divergir numa eleição para a presidência da Câmara dos Deputados e convergir na eleição para a presidência do Senado. Embora tenham diferenças pontuais, mais ou menos progressistas ou conservadoras, o projeto de sociedade que defendem, no fundo, é o neoliberal. Isso ficará evidente quando esses presidentes colocarem em pauta os projetos de lei característicos do programa neoliberal, especialmente as temidas reformas – alterações na Constituição Federal.
O Brasil também já vivenciou o liberalismo clássico, que consiste na concentração de riqueza nas mãos de poucos, tal qual o Neoliberal, mas ainda admite direitos sociais à educação, à saúde, à aposentadoria. No projeto Liberal, o Mercado tem seus privilégios, mas o Estado tem deveres sobre as condições de vida da população.
Há outros projetos societários identificados pela Ciência Política. Apesar das inúmeras variações, são basicamente: Liberal, Neoliberal, Social-democrata, Socialista e Terceira Via. Com exceção dos dois vivenciados pelo Brasil, os outros reivindicam maior responsabilidade social do Estado, mas somente o Socialista – no qual as necessidades do povo devem ser a centralidade – representaria uma ruptura real com o modo de produção capitalista, pois defende a participação direta da população nas discussões e decisões políticas, além da distribuição da riqueza produzida, não a concentração.
O assunto não é simples, como viver em sociedade não é. Todos os projetos de sociedade têm suas contradições. Mas há um aspecto simples: se você não concorda com a mercantilização da vida, com a qualidade de ensino ou atenção à saúde dependentes do tamanho do bolso, entre outras desigualdades, este não é o seu projeto de sociedade. A solução é única: escolha outro e lute por ele.
* LUANA SOUTOS é jornalista e socióloga