Banalização da morte, ode à intolerância, orgulho da ignorância, repulsa da ciência, horror à pluralidade, perseguição às diferenças, naturalização de um processo de genocídio promovido pelo Estado contra seu próprio povo. Boicote a máscaras, ao isolamento social, à compra, produção e distribuição de vacinas, de testes de COVID-19, de aquisição de quites para entubação, de sedativos. Invenção de métodos milagrosos que prometem a cura, mas que na realidade abreviam mortes enquanto cria a falsa sensação de segurança para obrigar os trabalhadores a arriscarem suas vidas na busca pela sobrevivência diante da negligência estatal.
Todas estas são medidas anticientíficas tomadas pelo Estado genocida brasileiro que, com muito esforço, conseguiu fazer do Brasil o epicentro da COVID-19 no mundo.
Somos uma câmara de gás a céu aberto, um problema de saúde coletiva de dimensões planetárias. Somos governados por mitos que sempre querem mais: 4 mil mortes por dia não são suficientes. Não basta estarmos criando novas variantes que podem tornar as vacinas ineficazes no mundo todo.
Nossas elites sempre foram sedentas de lucros com nosso sangue. São séculos de escravização de negros e indígenas em trabalhos exaustivos até a morte. São 521 anos de perseguição, extermínio e expropriação de indígenas e quilombolas, que durante uma pandemia, em pleno século XXI, ainda demonstram que esta gana sádica histórica está intacta! Morremos aos milhares, porque a Economia não pode parar. O patrão não pode perder um dia sequer de exploração sobre nossos corpos e a gente cala e consente.
Para os professores, a Educação sempre foi um serviço essencial. Nós acreditamos e sempre defendemos que é de um povo bem formado, com o mais alto nível educacional e cultural, que pode vir um futuro melhor para o nosso país. No entanto, o que temos recebido sucessivamente dos governos são cortes de recursos e o sucateamento da Educação Pública, além do desvio de recursos públicos para o setor privado da Educação.
Sedentos por mais dinheiro, os empresários da Educação decidem que é preciso sacrificar alguns milhares para que eles possam seguir ganhando dinheiro com Educação. Para isso, propõem que a Lei considere a Educação como serviço essencial. Não para que haja, enfim, reforço do financiamento da Educação Pública, para que profissionais tenham salários dignos e salas de aulas adequadas aos novos padrões sanitários. Nada disso! Querem declarar a Educação como serviço essencial para impedir a suspensão das aulas, mesmo diante de uma pandemia que atravessa, agora, o seu pior momento.
No ensino infantil e fundamental públicos, a proposta dos governos é dar um plus no depósito de crianças e adolescentes pobres. Além de precários e superlotados, agora serão letais para estudantes, pais, professores e familiares.
As universidades públicas, que deveriam estar recebendo recursos extras para produzir ciência, técnicas e tecnologias capazes de enfrentar a pandemia – já que a vacina própria foi boicotada em 200 milhões pelo Governo Federal -, sofrem pressão para que estudantes e professores se exponham à morte para priorizar a formação de mão de obra qualificada para um Mercado de trabalho com 14 milhões de desempregados. Vejam: a prioridade do Governo é formar desempregados, não produzir vacinas e respiradores!
Há cerca de um ano, quando o cenário demonstrava que iríamos enfrentar um contexto de pandemia, nós da Adufmat-Ssind (Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso) pensamos que seria uma imensa derrota se o Governo conseguisse naturalizar milhares de mortes e, mesmo assim, nos convencer a seguir trabalhando; pensamos que seria uma lástima se as soluções para a pandemia se afastassem das recomendações científicas. Nossos pesadelos se confirmaram.
Estamos entrando em um fosso e pode demorar décadas para conseguirmos sair. No mentiroso dilema entre salvar vidas ou a Economia, nada está se salvando, porque ambos se salvam juntos. Batemos recordes de desemprego, metade da população brasileira está em situação de insegurança alimentar, os preços não param de subir, o real se tornou a moeda que mais desvalorizou no mundo em 2020. E ainda assim, o Governo segue a política de austeridade, cortando investimentos estatais e direitos dos trabalhadores, deixando-os a mercê da própria sorte diante da pandemia. Somos recordistas no número de mortes e seguimos trabalhando e nos expondo como se nada estivesse acontecendo.
Nossas UTIs estão abarrotadas e o Governo segue seu projeto de destruição do SUS. Nosso povo passa fome e o Agro segue dominando a imensa maior parte das terras agricultáveis para produzir commodities para agro exportação, cujos lucros são apropriados de forma privada, isentos de tributação. Metade da população passa fome no país hoje, enquanto 11 brasileiros entraram para o time dos bilionários em plena pandemia e recessão.
A manipulação pela irracionalidade impera. O ruir da estrutura deste país e Governo falidos tornam nossos gritos ensurdecedores. O povo padece e demanda saídas coletivas e solidárias. O povo demanda usufruir da riqueza que gera. O povo demanda ser tratado como gente. As vidas e os meios de vida precisam ser protegidos por recursos coletivos.
*Lélica Lacerda é professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Mato Grosso e diretora da Associação dos Docentes da UFMT.