“Não gosto de política”. Muito se ouviu, e ainda se ouve insistentemente esta frase. Antiga, porém não desgastada, até pela sua permanente presença entre os bate-papos nos botequins, em grupos nos logradouros. Ela se tornou quase uma arma-justificativa para que alguém possa se esquivar ou se apresentar como “alheio” sobre um dado assunto. Isto vem de bastante tempo. Às vezes, mais ou menos usada. Influenciada, talvez, por “não querer se comprometer”. Surte efeito. Não o desejado. Mas, com certeza, surte, e como surte! Forma de se ficar de bem com todos. É o chamado sair-se “pela tangente”. Está implícito, também explícito, nesta maneira de se proceder, artimanha, a “neutralidade”. Acontece que este termo existe no vocabulário pátrio, mas longe, muitíssimo longe de ser identificado na prática, pois a “neutralidade” é igualmente o tomar uma posição, e, ao se portar assim, registra a sua manifestação, a qual é sempre política.
Aliás, vale grifar, o posicionar-se politicamente está presente em todos os momentos da vida humana, desde que haja mais de uma pessoa em igual lugar. Só se é apolítico quando se está sozinho no próprio quarto, ou no meio do mato, ou, enfim, em outro lugar qualquer. Apareceu mais um, deixa-se o apolítico para ser político. Isto significa dizer que a política faz parte do cotidiano humano. Inexiste como excluí-la, uma vez excluída desaparece o ser humano, ainda que exista quem insista em dizer “não gostar” dela. “Não gosta”, na verdade, “da política partidária” (bastante comum). Necessário se faz, sem ser obrigatório, o viver partidário. Imprescindível para o Estado democrático. Embora haja, houve e haverá quem não deseje dele participar (direito que lhe cabe). Também existem os que não podem, nem devem estar filiados a uma agremiação partidária, e não são apenas os juízes e policiais, a exemplo daqueles que se apresentam como estudiosos e analistas do jogo político-eleitoral. Estarem filiados ou serem simpáticos a uma sigla política, ou ligados a um ou vários agentes políticos os impedem de continuar independentes, sem sê-los “neutros”, uma vez que igualmente são eleitores, escolhem e votam, assim como os demais. Detalhe relevante, com vista à conquista de credibilidade. Papel de cidadão.
Todo cidadão é um votante, nem todo votante é um cidadão. Observação necessária. Digna de reflexão. Sobretudo quando se tem a clareza da relevância de tal tema. Tema que ganha maior amplidão e importância quando se olha o retrato político-eleitoral brasileiro. Retrato revelador. Revela um país transformado em uma grande arena, cujas dependências são ocupadas por duas torcidas: a torcida “A” e a “B”. Cada uma destas procura defender o seu coronel político, chefe e chefete, bem como o seu grupo, escamoteando inclusive seus podres, seus desacertos. Pois, na leitura dessas torcidas, despida do lastro racional, o criminoso e o crime estão apenas do lado do adversário. Criam versões, ignoram os fatos, e “mentem adoidados”. Aumenta, assim, as Fake News, falsas notícias que colocam o mundo em perigo. Aliás, as ditaduras se valeram também das noticias falsas para se verem livres de quem a elas se opunham. Cenas que devem ser lembradas, jamais repetidas. Ainda que se tenha, e têm quem as defendam, escamoteando as chagas que elas abriram nas famílias, na população e nas nações.
Reflexão não exclusiva de estudiosos. Mas, em especial, do cidadão. Este precisa desempenhar o seu papel, apresentar-se e, ao fazê-lo, manifestar-se. Toda manifestação, única e valiosa, foi e será política. Política não dissociada da vida humana. Ainda que se venha dizer, um ou outro, “não gostar de política”. Gosta-se do país, nação e do Estado. Sem que precise trocar a placa do carro, sem que se sinta na obrigação de usar roupas com as cores nacionais. Gostam-se verdadeiramente, com o olhar crítico sobre as ações dos governos, o comportamento parlamentar e sobre as atitudes de juízes, militares, policiais, integrantes dos Ministérios Públicos, e, enfim, de todos os agentes políticos e públicos. É isto.
* Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.