A língua está longe, muito longe de ser imutável, de estar pronta e acabada. Ao contrário. Sofre mudanças, e é, a todo instante, influenciada. Pois recebe, em forma de empréstimos, palavras estrangeiras, e tem acrescido termos, até outro dia, considerados proscritos, periféricos. O que dá certa dinamicidade ao idioma pátrio, que enriquece, inclusive nos conceitos e no uso dos vocábulos. Contudo, em instante algum, um termo tem o seu sentido mudado, desviado de sua origem e de seu curso natural, mesmo que seja por conveniência ou por interesse de um ou de outrem. Ainda que haja, e sempre há quem procura desvirtuar o seu sentido, com vistas à obtenção de vantagens, inclusive político-eleitorais. Isto se repete a todo instante no país, em especial nos últimos anos, em que fora, por alguns, transformado em uma grande arena, onde se posicionam a torcida “A” e a torcida “B”. A condição de torcedor retira a possibilidade da reflexão, da racionalidade, uma vez que o ser torcedor age e se deixa levar pela emoção, pelo sentimento, e não pela razão. É o que se verifica agora, por exemplo, com a prisão de um deputado federal, autor e ator de um vídeo em que ele, por mais de dezenove minutos, tece frases de ofensas e agressões a integrantes do Supremo Tribunal Federal.
A decisão da prisão monocrática, depois mantida pelo plenário da Corte, por unanimidade. Contudo, não se pode, nem deve perder de vista o ato decisório, que não veio precedido de um pedido de prisão, o qual sairia do Ministério Público. Se não veio, então o integrante do STF agiu de ofício. Erro crasso. O Judiciário, embora venha a ter essa possibilidade em algumas situações, deve sempre aguardar ser provocado, até para não ser taxado de partidário, de pessoalizar suas ações e atitudes. Nesta esteira, evitar-se-ia também assumir funções que não são suas: o de acusar, investigar e o de pedir a prisão. Foi o que se registrou no caso da prisão do parlamentar.
Parlamentar que, por sua vez, extrapolou os limites da liberdade de expressão ao acusar sem provas e tentar denegrir e ameaçar a pessoa de alguns ministros, e, ao fazê-lo, saiu do campo da opinião propriamente dita, assumindo a posição de setenciador e satanizador, o que ultrapassou o córrego da imunidade parlamentar. Imunidade assegura ao parlamentar a inviolabilidade de suas opiniões, decisões e votos no cumprimento de sua função. Privilégio e vantagem imprescindíveis em um Estado democrático. Vantagem e privilégio, contudo, que se dão estritamente a opiniões, decisões e votos. Restringem-se a estes âmbitos. Tão somente a eles, nada mais além deles. Pois bem, ao analisar o vídeo postado pelo dito parlamentar, nota-se que ele, o deputado, extrapolou muitíssimo ao setor da opinião. Talvez, por ignorar a premissa basilar: opina-se sobre algo, alguma coisa, situação ou posição tomada. E ao opinar-se, sobre qualquer coisa, exige-se a argumentação, e é esta que sustenta aquela, que a mantém de pé. Inexiste, portanto, opinião sem argumentação, uma vez que a falta desta, prevalece o achismo, e deixam de fora os fatos, os porquês e para quê. Por conta disso, claro, o referido deputado federal não opinou sobre coisa alguma em seu vídeo, apenas desfilou acusações e ameaças, e, não satisfeito, alimentou o discurso de ódio a integrantes e a Corte, pois tinha um propósito, o de agradar a alguém ou a alguns, além de atrair a atenção do seu público-alvo, e ele, de fato, conseguiu o seu intento. Reforçando, assim, a tese de que “os fins justificam os meios”, independentemente se venha a ofender, no caso, o estatuto do Estado, o estado democrático e direito, e, por tabela, a imensa maioria da população. Assim, o parlamentar desrespeita a própria Câmara Federal, que tem o poder, constitucionalmente, de mantê-lo ou não na prisão, e de puni-lo exemplarmente. Mas, como é de praxe, dificilmente essa punição irá acontecer. Confundindo-se, uma vez mais, os conceitos das palavras imunidade e impunidade, como se estas fossem sinônimas. É isto.
* Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.