É muito fácil e ao mesmo tempo muito difícil analisar as eleições municipais de 2020 em Cuiabá. Fácil porque o resultado se deu no primeiro turno, e quem perdeu foi a população. Fácil porque, como já avaliamos neste espaço, as eleições oferecem pouca ou nenhuma chance para alcançarmos as mudanças que tanto desejamos, mas já deu para entender que, se tínhamos de fato algum projeto de sociedade diferente do que temos agora entre as opções, esses projetos não foram eleitos.
Fácil porque, enquanto o foco das eleições for o candidato, e não o projeto de sociedade que esse candidato representa, continuaremos desperdiçando tempo pensando quem é o candidato “menos pior”. E isso não faz diferença nenhuma, porque continuaremos com problemas de abastecimento de água, saneamento, acesso à saúde, educação, assistência social. O transporte público continuará caro e péssimo. Investimento em Cultura? Quando muito, uma migalha. Sinto muito, Cuiabá, mas a única diferença entre os candidatos à Prefeitura escolhidos para o segundo turno em 2020 é a espessura de cara de pau. O projeto neoliberal é o mesmo: Estado mínimo, Mercado máximo. Com Abílio ou Emanuel, o rico vai continuar ganhando, e o pobre vai continuar perdendo.
Você pode pensar: “ah, mas o Abílio é machista por dizer que Gisela era boa candidata mesmo sendo mulher”. É, é sim. Mas o Emanuel também é. Logo no início do seu mandato anunciou que “por precaução”, não receberia mulheres “desacompanhadas” no seu gabinete. Se pergunte por quê. Infelizmente o machismo está enraizado na nossa sociedade, assim como o racismo, porque são ferramentas que beneficiam o capitalismo. Mulheres pretas são as que têm remunerações mais baixas no país, o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística demonstra isso na Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD Contínua 2019), divulgada esse mês.
“Ah, mas o Emanuel colocou dinheiro no paletó”. Sim, colocou, e o Abílio - em início de carreira - também já sofre acusações de não ter sido o parlamentar mais exemplar, beneficiando familiares e a si mesmo de forma moralmente duvidosa. A espoliação do público em benefício privado (famosa corrupção) também é fruto de uma sociedade que tem como objetivo acumular - capitalizar. Repito: para conquistar qualquer mudança social real, nós precisamos pensar em projetos de sociedade diferentes do neoliberal, do capitalista, e a via não é eleitoral!
Particularmente, até acho o período eleitoral um momento interessante para reflexões mais profundas. É um período de disputa, porque temos que pensar justamente o que tentam nos fazer esquecer o tempo inteiro. O sonho de viver outra vida, digna e boa para todos, se faz possível novamente. Mesmo que o caminho para isso não seja o institucional, o povo que vive grande parte do tempo alheio à política, tem aqui a oportunidade real de debater, aprender, se interessar e descobrir que existe mais.
E essa é a parte difícil da análise. O “eleitor”, que reivindica tantas mudanças, continua tentando enganar a si mesmo, desperdiçando seu tempo em mais do mesmo. Não compreendeu ainda que discurso e prática quase nunca andam juntos. Tem se esforçado para justificar o injustificável. Parece acreditar que há diferenças significativas entre Emanuel e Abílio.
Não compreendeu ainda que a discussão entre Abílio e Emanuel é vazia. E não se trata de neutralidade. Criticar os dois e apontar os motivos é uma posição política legítima e não neutra. Mas a questão é muito maior! Nada vai mudar, porque ambos representam um projeto de sociedade que prejudica os trabalhadores e beneficia o capital. Qualquer melhoria dependerá, como sempre, da nossa capacidade de organização e pressão sobre quem quer que seja eleito no domingo.
* Luana Soutos é jornalista e socióloga