O Instituto Butantan anunciou nesta quinta-feira (6) que precisará suspender, mais uma vez, o envase da vacina Coronavac devido à falta do insumo farmacêutico ativo (IFA) fornecido pela China. É a segunda vez que a produção de vacinas no Instituto é suspensa pelo mesmo motivo.
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O anúncio vem um dia após o presidente Jair Bolsonaro insinuar que o governo chinês possa ter fabricado o novo coronavírus como uma nova tática de guerra química ou biológica, argumento falacioso que já foi desmentido tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto pelo governo dos Estados Unidos, com base em relatórios do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e do escritório de Inteligência.
Ao adotar o tom belicoso e fazer acusações infundadas contra a China, Bolsonaro põe em risco todo o programa de vacinação contra a covid-19. O país asiático é o único fornecedor dos insumos necessários para produção das duas principais vacinas usadas pelo Brasil, a Coronavac - que inclusive foi desenvolvida com apoio dos chineses - e a AstraZeneca/Oxford, produzida pela Fiocruz. É, como dizem os antigos, um tiro no pé, que compromete completamente nossa capacidade de combater a pandemia.
Militar de carreira, Bolsonaro deveria saber escolher melhor os inimigos e os aliados estratégicos. Brigar com a China, a essa altura do campeonato, não traz benefício algum ao Brasil. Muito pelo contrário, nos isola no cenário mundial. Com a crise crescente na Índia, o Brasil passa ao segundo plano nas prioridades internacionais e tem cada vez menos aliados interessados em ajudá-lo a superar este momento difícil.
E não é apenas no combate à pandemia que o posicionamento do presidente pode nos atrapalhar. Nossa economia hoje é quase que completamente dependente das exportações para o país asiático. Quase um terço de tudo que exportamos tem como destino a China, representando um total de US$ 67,8 bilhões nas vendas brasileiras ao exterior.
O tom belicoso contra a China é apoiado sobre um argumento de que são os chineses, e não nós, que dependemos das exportações de commodities. Esse argumento carece de uma análise mais aprofundada da realidade global. Não somos os únicos fornecedores de tais produtos no mundo, mas sim aquele que consegue ter melhor competitividade no mercado internacional por vários motivos, entre eles a forte desvalorização de nossa moeda. Se acaso suspendêssemos as vendas à China, os asiáticos iriam às compras em outros mercados. Entre eles, nosso maior rival no agronegócio, os Estados Unidos.
Às vezes, a melhor ajuda é não atrapalhar. Sem nada construtivo a ser dito, seria preferível manter-se em silêncio em vez de dar um ‘tiro no pé’ e colocar em xeque a melhor chance que temos de superar esse terrível inimigo. Lidemos com um problema de cada vez, em vez de ficar à procura de mais sarna para se coçar.