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Opinião Quinta-feira, 13 de Maio de 2021, 18:29 - A | A

Quinta-feira, 13 de Maio de 2021, 18h:29 - A | A

LUANA SOUTOS

Um Brasil nazista

Luana Soutos*

Quem assistiu o clássico “A Lista de Schindler” deve se lembrar das cenas horrorosas que remetem à perseguição nazista aos judeus em alguns países europeus entre 1933 e 1945 - oficialmente. As imagens são inúmeras e absurdamente chocantes. Uma dessas cenas, que retrata o extermínio de um gueto judeu em 1943 – justamente a da menina de casaco vermelho -, me veio à mente de maneira muito forte nos últimos dias, enquanto assistia, pela televisão, o massacre na comunidade de Jacarezinho, no Rio de Janeiro.

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Obviamente são momentos históricos e culturas diferentes, mas me parece possível estabelecer algumas relações do ponto de vista humano. A começar pelas manifestações conservadoras, do tipo “rezando não estava”, “bandido bom é bandido morto”, “tá com dó, leva pra casa”. Essas pessoas tendem a comemorar massacres desse tipo como se a criminalidade no Brasil estivesse sendo resolvida, da mesma forma que, na Alemanha nazista, simpatizariam com a ideia da existência uma raça superior ariana e branca, mais merecedora de direitos do que outros.

O fato de a grande maioria dos moradores das favelas não ser branca é central em mais esse triste episódio. O Brasil é racista, e o racismo é uma característica do nazismo. No Brasil se extermina bandido preto, pobre e periférico. O bandido branco, rico e influente responde processo por “improbidade administrativa”. Abraham Weintraub, por exemplo, ex-ministro da Educação de Bolsonaro, não é chamado de bandido, criminoso, porque prejudicou o acesso de milhares de jovens cheios de sonhos ao ensino público, especialmente, o superior. Não é chamado de marginal porque caluniou e difamou as universidades públicas, enfraquecendo ainda mais uma instituição já aviltada há décadas, com declarações mentirosas, “dolosas” e “reiteradas”. Jamais seria sequer surpreendido por policiais pelo fato de ter contribuído para que a Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos melhores centros de pesquisa do mundo - e uma das vítimas preferidas do ex-ministro - feche as portas, prejudicando todo o país. Ele apenas responderá a um processo.

Há muitos outros exemplos desse tipo, mas para pessoas como Weintraub, cujos crimes são enfraquecer o SUS, a Educação, a Assistência Social e a própria Segurança Pública – que se distancia cada vez mais de qualquer coisa parecida com segurança - a polícia tem a função de proteger, nunca matar.

Diante da chacina na Jacarezinho, é impossível não se perguntar também como o tráfico, tão bem organizado, cruel e violento, que domina o território de uma comunidade com mais de 40 mil pessoas, sucumbiu em apenas algumas horas à ação de pouco mais de 200 policiais. Se o acesso a armas está sendo facilitado pelo Governo Federal - tanto para o “cidadão de bem” quanto para o marginalizado - e se nós vimos imagens de homens com fuzis nas mãos, por que o número de mortos foi tão desproporcional?

Na Alemanha nazista, os judeus eram assassinados aos montes, em filas, como bichos. A informação que nós tínhamos, até o início da tarde do último dia 06 de maio, era de que o Ministério Público do Rio de Janeiro teria pedido a prisão de 21 pessoas por tráfico de drogas e aliciamento de menores. A polícia entregou 28 corpos. Não se trata, apenas, de ineficiência e despreparo dos policiais. Numa democracia isso deveria ser considerado crime tanto quanto traficar. A véspera do dia das mães de 2021 ficará marcada como o dia em que o Brasil presenciou a pior operação policial da sua história. E o que acontecerá agora? O que a humanidade ainda será capaz de fazer contra si mesma? Até onde irá nossa capacidade cometer atrocidades?

*LUANA SOUTOS é jornalista e socióloga

Cuiabá MT, 14 de Julho de 2025