Por causa da pandemia da Covid-19, escolas do país inteiro ficaram fechadas por quase todo o ano letivo de 2020. Era uma medida necessária para evitar a disseminação da doença. Por outro lado, manter as crianças distantes das salas de aula e dos amigos trouxe consequências para a saúde mental delas.
Segundo profissionais de educação e de saúde ouvidos pelo G1, há alunos com:
ansiedade e depressão;
alteração no sono e no apetite;
maior irritabilidade e agitação;
dores psicossomáticas (uma dor de cabeça, por exemplo, de origens emocionais);
regressão no comportamento (passam a fazer xixi na calça ou a ter atitudes de birra);
dificuldade na socialização.
Para Raquel Franzim, coordenadora de educação do Instituto Alana, era esperado que houvesse um atraso no desenvolvimento das crianças.
“Na escola, elas exercem algum nível de independência. Precisam tomar decisões sozinhas: onde vão comer, com quem vão tomar o lanche — há um estímulo à autonomia. O ambiente familiar as poupa disso, porque os pais vão tomar as decisões. Isso traz um impacto na saúde emocional”, diz.
“Algumas crianças passam a não saber mais comer sozinhas, querem só dormir na cama dos pais, deixam de se limpar sem ajuda. A ausência do ritmo escolar vai causando mais ansiedade, agitação e regressão na independência”, diz.
Segundo o psiquiatra Marcelo Feijó, professor do departamento de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina e da Faculdade de Medicina Einstein (SP), há uma perda nas “conquistas” antigas das crianças. “Algumas ficam sem o controle do esfíncter e passam a fazer xixi na cama. Falam de dores que não são relacionadas a quadros clínicos, mas a emoções, como estresse e tensão”, diz.
Mas, calma, não há motivo para desespero: os especialistas explicam que estes comportamentos serão reparados depois, aos poucos, com a volta das atividades.
Em São Paulo, Tatiane Romano sentiu alterações na rotina do filho, Davi, de 3 anos.
“Antes, ele dormia das 21h às 7h. Sem escola, passou a deitar à meia-noite e a levantar só às 10h. Ele ficava irritado, queria só ver TV e tablet”, conta. “Virou uma criança mais agressiva, jogando coisa no chão, respondendo pra mim: ‘Me deixa’.”
O menino voltou à escola no início de fevereiro. “Estou com muito receio da pandemia, mas arrisquei. Estava muito difícil, eu não conseguia mais trabalhar em casa, ele só queria colo. Agora, já chega mais cansado e dorme bem", conta Tatiane.
No final de janeiro, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou um documento em que defende o retorno às aulas presenciais, citando o adoecimento de alunos e professores. Reconhece que não foram colocadas em prática as regras para garantir a segurança sanitária, principalmente na rede pública, mas diz que as crianças "representam menos de 1% da mortalidade e respondem por 2-3% do total das internações".
A entidade pede "a responsabilização das autoridades públicas, nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), para solucionar o problema da volta às aulas, o que implicaria a tomada de uma série de decisões".
Por que estar longe da escola pode trazer tantas consequências emocionais?
A interrupção das atividades presenciais da escola pode trazer abalos psicológicos por causa de fatores como a:
rotina desregrada, sem horários definidos;
distância dos amigos e dos professores;
exposição mais intensa a telas;
perda do contato com realidades diferentes das de casa;
exposição maior a problemas do núcleo familiar (como agressões e brigas);
redução da autonomia e do espaço de independência que a escola oferecia.
“Há uma quebra de ritmo de vida, de socialização, de horários. O isolamento priva as crianças das atividades de movimento, das brincadeiras e das conversas”, explica Feijó.
Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta mais um fator: a perda dos chamados “laços fracos” — relações superficiais que o aluno desenvolve com colegas ou funcionários da escola.
“É por meio disso que a gente se conecta com outras realidades e desenvolve empatia”, afirma. A criança que passa a conviver apenas com seu núcleo familiar perde o contato com outros universos.
Quando procurar ajuda?
Segundo o psiquiatra Feijó, em uma situação tão prolongada de isolamento, é inevitável que haja consequências na saúde emocional das crianças. Mas quando é hora de procurar ajuda médica?
Vitor Calegaro, professor de neuropsiquiatria da Universidade de Santa Maria (RS) e coordenador do projeto Covid Psiq, recomenda que os pais fiquem atentos aos seguintes sinais:
ansiedade de separação (a criança que era independente passa a ficar com medo de perder os pais de vista, mesmo dentro de casa, por exemplo);
alterações no apetite e ganhos/perdas de peso;
insônia e dificuldade para dormir;
pesadelos com frequência maior;
irritabilidade;
mudança no padrão das brincadeiras e dos desenhos (mais temáticas de morte, por exemplo, ou de posturas agressivas).
“As crianças usam outras formas para expressar o que sentem, por isso, os adultos devem prestar atenção em mudanças de comportamento. Se forem alterações persistentes, o ideal é procurar um psicólogo infantil”, recomenda Calegaro.
Em Manaus, Ana Inês de Souza sugeriu que seu filho, Carlos, de 10 anos, conversasse com um terapeuta. “Expliquei que é um profissional, que não vai contar nada para mim. Mas ele disse que não quer falar com ninguém. Tento ficar ao lado dele, dar apoio, mesmo que em silêncio”, conta.