No Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, 18 de maio, dados divulgados pela Superintendência do Observatório de Segurança Pública da Secretaria de Segurança Pública (SES-MT) apontam para uma triste realidade em Mato Grosso. De janeiro a abril deste ano, 53 casos de estupro foram registrados no Estado.
Durante o ano passado, Mato Grosso registrou 1.142 ocorrências de estupro de vulnerável (vítimas abaixo de 14 anos ou em situação de vulnerabilidade), 223 de estupro e 131 de assédio sexual, além de 121 ocorrências de importunação sexual, 87 de aliciamento e 37 de exploração sexual.
Neste ano, entre os meses de janeiro e abril, os números de ocorrências contra vulnerável alcançaram 331 ocorrências, contra 53 ocorrências de estupro. Já os crimes de assédio sexual tiveram 27 registros e de importunação sexual 52 ocorrências.
Maria Alice* sofreu importunação sexual dos 9 aos 13 anos por aqueles que se julgavam íntimos de sua casa. Por várias vezes ela tentou falar sobre, mas sempre acabava emudecida pelo medo de que os adultos não acreditariam nela.
Foi só através de um desenho que ela conseguiu falar sobre o assunto com a família. As dolorosas lembranças foram revividas durante entrevista ao Estadão Mato Grosso. Ela se recorda que, ainda na escola, desenhou uma garota que queria se livrar dos abusos sexuais sofridos dentro de casa para ir morar no céu.
“Uma professora viu o desenho e falou comigo sobre. Ao contar para ela sobre os abusos que sofria dentro de casa, ela pediu aos meus pais que viessem na escola e foi realizada uma reunião com eles. Foi quando consegui contar à minha família o que acontecia dentro do nosso lar”, lembra, emocionada.
O caso de Maria Alice não é isolado. A violência sexual é um tabu, o que dificulta a descoberta de casos e mantém os agressores livres. Por isso, é extremamente necessário falar sobre este assunto com as crianças. A pequena Maria Alice cresceu e hoje é mãe de dois filhos. Agora, ela faz de tudo para que o mesmo não aconteça com seus pequenos. Ela observa de perto quem está próximo aos filhos e desconfia de tudo e todos.
“Sempre estou de olho nas coisas que eles assistem. Também fico alerta para todos os sinais que eles podem apresentar”, contou.
Atendimento especializado
Quando há ocorrência de abuso sexual, a pessoa que comunica o fato é ouvida na unidade policial durante ato do registro do boletim de ocorrência. Em seguida, são adotados os procedimentos de depoimento especial ou escuta especializada, conforme o caso.
De acordo com a idade da vítima, o depoimento especial pode também ocorrer somente em juízo, mas varia de caso a caso. Sendo constatada a situação de risco para a criança ou adolescente, a delegacia prontamente solicita medida de proteção com base no artigo 21 da Lei 11.431/2017 e aciona o Conselho Tutelar para providências quando é necessário colocar a criança sob acolhimento ou cuidados da família extensa.
Vítimas apresentam mudanças
A dor e a incompreensão são marcas profundas na vida de uma criança ou adolescente vítimas de violência sexual. Diante disso, o psicólogo Delcio Ribeiro lembra que é importante que os adultos responsáveis pela criança se mantenham sempre atentos. Ele explica que, muitas vezes, mesmo que com boa intenção, os pais punem os filhos quando eles agem de maneira diferente.
“Esse ciclo de punição faz com que a criança ou o adolescente evite falar sobre o assunto e se feche ou comece a mentir para evitar o castigo. Por isso, é importante manter uma boa relação entre pais e filhos”, explicou o psicólogo, em entrevista ao Estadão Mato Grosso.
A delegada Mariell Antonini Dias, da Delegacia da Mulher, Criança, Adolescente e Idoso (DEDMCI) de Várzea Grande, reforça a fala do psicólogo, destacando que a criança vítima de abuso tem uma mudança repentina de comportamento. Muitas se fecham e têm medo de determinada pessoa. A situação é agravada pelo fato de que, na maioria dos casos, o agressor é alguém do círculo familiar.
“Há uma mudança repentina de comportamento para a introspecção (criança se fecha em seu mundo interior), a aversão ou medo de determinada pessoa, que geralmente é o abusador, além da mudança de vestimentas, colocando roupas mais fechadas e moletons, para não despertar atenção sexual para si”, explica.
A delegada alerta que os adultos responsáveis devem monitorar e acompanhar a criança ou o adolescente que apresentarem esses tipos de comportamentos.
“Se a criança apresentar espontaneamente o relato de que sofreu violência, de qualquer espécie, é importante que essa pessoa receptora da informação adote uma postura ativa, de comunicar o fato às autoridades policiais. Havendo Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente, que procure esta unidade especializada, para que os procedimentos legais sejam adotados”, orienta.
Canais de Denuncia
Em tempos de isolamento social por causa da pandemia de covid-19, vítimas e agressores permanecem mais tempo juntos. Por isso, é extremamente necessário que toda a população conheça os canais de denúncia sobre violação de direitos. As denúncias podem ser realizadas pelo disque 100 ou 190.
*Nome fictício