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Cidades Sábado, 24 de Abril de 2021, 12:33 - A | A

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PRECISAMOS FALAR

Racismo: uma ferida aberta da sociedade

"Desgraçado, haitiano filho da p***. Olha outro aí, também haitiano. Por isso Hitler está certo, tem que matar todos esses pretos”. As palavras ditas a dois haitianos dentro de um ônibus em Cuiabá foram gravadas por passageiros e ganharam destaque na mídia local. Elas refletem, infelizmente, a realidade de um país onde a maior parte da população é negra, mas ainda propaga agressões racistas, xenofóbicas e, em alguns casos, nazistas.

Enraizado na sociedade, o preconceito e o racismo se mantêm como práticas comuns de um povo que julga diversas pessoas pela cor, crença, vestimenta, dialeto, ou mesmo o sotaque.

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Davi dos Santos Leite, de 23 anos, conhecido no mundo da música como ‘’Machel’’, trabalha como MC e produtor musical em Cuiabá e enfrentou racismo em vários momentos de sua vida.

‘’A primeira lembrança que eu tenho não foi comigo, mas com meu irmão. Ele tinha oito anos e eu tinha quatro. Não lembro muito bem como chegamos naquela situação, mas ele contou que o sonho dele era ser médico e os adultos responderam algo como: médico, com essa cor?’’, contou, em entrevista ao Estadão Mato Grosso.

Após o episódio com o irmão, Davi testemunhou o racismo de diversas formas, desde os tempos de escola. Por vezes, as agressões não se davam apenas com palavras, mas também com atos. “Eu lembro de uma vez que os caras (colegas de sala de aula) levaram bananas e colocaram dentro da minha mochila e amarraram na mesa, de uma forma que quando eu puxasse as bananas caíssem’’, recorda.

O preconceito pela sua escolha musical também é bastante presente, segundo Davi. As batalhas de rap que costumeiramente acontecem em praças públicas e outros espaços públicos foram o ponto de largada na carreira musical de Davi. “Quando digo que participo das batalhas de rap, as pessoas erroneamente acham que é um ambiente regado a drogas e bebidas, mas é estritamente proibido o uso (de qualquer droga) nos locais que as batalhas acontecem”, destaca.

Danielle Souza Gabriel, 22 anos, é estudante de história da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e atriz. Ao Estadão Mato Grosso, ela conta que já trabalhou em algumas peças de teatro como “Encardidos”, espetáculo criado em parceria com um colega exatamente com base nas situações de preconceito vividos na pele.

“Uma vez, na igreja, fui chamada por um menino de macaco. Na época eu não entendia muito, por ser criança, mas deixei de ir à catequese por causa dele. Sem contar as vezes que falavam sobre o cabelo, chamando de ‘cabelo de bombril’, ‘cabelo de vassoura’”, revela.

Até mesmo o trabalho artístico de Danielle já foi alvo de críticas raciais. “As pessoas disseram que aquilo não era teatro, que falar sobre assuntos como preconceito e racismo não tem nada a ver e que esse tipo de coisa (históricos de racismo), tinham que ser tratadas em terapias”. 

Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT) apontam que houve aumento de 69% nas denúncias de racismo em 2020. Foram 13 ocorrências registradas em 2019, contra 22 no ano passado. Mato Grosso ocupou o 1º lugar no ranking nacional de casos de racismo em 2020, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Além das injúrias e dos olhares de julgamento enfrentados, Davi também foi vítima de opressão por quem deveria protege-lo. “Uma vez fui ao cinema com minha namorada e, ao voltar para casa tarde da noite, fui parado por uma viatura policial e a abordagem foi extremamente dura. Eles apontaram fuzis para minha cara e, no fim, perguntei o motivo pelo qual eles tinham sido tão duros. Me falaram que era pela forma como eu estava andando”, desabafa.

Batalha através da arte e da lei 

As carreiras musicais e artísticas de Davi e Danielle foram diretamente influenciadas pela luta contra o racismo. “Na minha vida mesmo não dá pra separar minha cor, pois em tudo que eu faço, a luta antirracista vai estar presente’’, afirma Davi. “Muitas pessoas entenderam o recado (do espetáculo) e se sentiram até incomodadas em assistir à peça. Acredito que saíram de lá mais reflexivos sobre o assunto”, destacou Danielle. Os dois artistas buscam o respeito que merecem através de seus corpos, falas, vozes. 

Naryanne Cristina Ramos Souza, de 25 anos, quilombola, advogada, mestranda em Estudo de Cultura Contemporânea pela UFMT e presidente em exercício da Comissão em Defesa da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT), também faz parte da luta contra o racismo e discriminação. 

“Minha colaboração na Comissão, juntamente com os membros, é promover a conscientização da sociedade dos termos estabelecidos na Constituição, dos crimes previstos relacionado ao racismo e discriminação. Buscamos também a aprovação e implementação de política públicas para advocacia negra, como por exemplo o senso da advocacia negra, a cota de gênero e cotas raciais nas eleições da instituição”, disse. 

Racismo x Injuria Racial

Duas práticas criminosas que se completam a injúria racial e o racismo e estão previstos em lei como passiveis de punição. Enquanto o racismo é um crime inafiançável e não prescreve, ou seja, não ‘’vence’’, o crime de injúria racial pode ser respondido em liberdade, pode ser afiançável e ‘’vence’’ em oito anos.Os crimes de injúria racial, caracterizados no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, são aqueles direcionados a uma pessoa ou algumas pessoas determinadas com base em elementos referentes à sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. É punível com pena de 1 a 3 anos de reclusão. Já o crime de racismo, dentro do artigo 20º da Lei nº 7.716/89 da Constituição Brasileira, ocorrem quando uma pessoa ofende, discrimina ou menospreza um número indeterminado de pessoas pertencentes a uma raça e a pena é de 3 a 5 anos de reclusão mais multa. 

Denuncie

Além de poder registrar um boletim de ocorrência em qualquer delegacia de Mato Grosso, os casos podem ser denunciados pelos Disques 190 ou 197.

*Estagiário sob orientação da jornalista Cátia Alves 

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