O ‘tropeço’ que levou à suspensão dos processos da Ferrogrão é resultado de uma falha na condução dos projetos por parte do governo federal. Desde 2017 as lideranças indígenas locais têm procurado representantes do governo para promover os debates necessários sobre o traçado da ferrovia e a situação ambiental. Em dezembro daquele ano, o governo federal havia se comprometido a seguir as normas internacionais e fazer as consultas prévias necessárias.
Acontece que, nos três anos que se seguiram, as audiências não foram realizadas. Em paralelo, o governo decidiu fazer o projeto da Ferrogrão a ‘toque de caixa’, anunciando que já iria fazer o leilão no segundo trimestre deste ano. Isso acabou provocando reação das lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), que pediu a suspensão dos processos da ferrovia em outubro de 2020.
“Se o governo continuar insistindo em um processo que não haja a discussão com a sociedade, não haja o trâmite dentro dos parâmetros exigidos, cada vez mais nós teremos notícias como essas. Se gera uma expectativa a curto e médio prazo, que mais na frente vai frustrar a sociedade. É um processo lento [a Ferrogrão]. Não por Mato Grosso, mas pelo Pará, que tem as questões ambientais, de relevo e outros impactos. São realidades que com certeza aumentam o risco para o investidor”, destaca Francisco Vuolo, coordenador do Fórum Pró-Ferrovia em Cuiabá.
Segundo o MPF, o planejamento para a construção da Ferrogrão desconsidera totalmente os impactos sobre os indígenas, que já foram detectados desde os primeiros levantamentos, e viola direitos reconhecidos nacional e internacionalmente desses povos. Ao omitir essas informações e impedir a participação dos indígenas, o governo pode provocar um subdimensionamento dos custos socioambientais do projeto, escondendo os riscos dos investidores.
“Esse problema já deveria estar no radar dos idealizadores da ferrovia. É bom lembrar que a lei de 2017 contornou isso, dizendo que no trecho que ela vai passar ficava descaracterizado esses aspectos ambientais, o que gerou reações de partidos e do MPF”, pontuou o economista Vivaldo Lopes.
Os levantamentos citados pelo MPF apontam para impactos nas terras do povo Munduruku nas regiões do médio e Alto Tapajós; sobre as terras dos povos Panará, Kayapó e Kayapó Mekragnotire, no sudoeste do Pará; e seis terras indígenas em Mato Grosso, incluindo áreas de povos isolados e o Parque Indígena do Xingu.