Os humanos domesticaram centenas de animais. Cães, gatos, gado e galinhas passaram a ser controlados pela espécie humana inicialmente pelos benefícios que eles poderiam oferecer. Contudo, esse não é um processo muito comum na natureza. A domesticação, aliás, acontece em colônias de formigas que criam fazendas de fungos e pulgões, por exemplo. No entanto, pesquisadores acabam de observar o primeiro caso de domesticação em um vertebrado que não seja humano. O peixe Stegastes diencaeus vive principalmente em corais no Oceano Atlântico, próximo da costa da América Central. Esse animal se alimenta de algas encontradas nos corais. Acontece que os S. diencaeus aprenderam a domesticar camarões para fertilizar suas fazendas de algas.
Os autores do estudo observaram que essa espécie de peixe é extremamente territorial. Nesse sentido, os animais cultivam corais com algas das quais se alimentam e evitam que outras espécies cheguem perto. Porém, os peixes permitem a passagem de um pequeno invertebrado para dentro de seus cultivos de algas. Os misidáceos são pequenos crustáceos marinhos que, na verdade, não são camarões, mas são muito parecidos com esses animais (portanto, chamaremos aqui de camarões para simplificar). A espécie Mysidium integrum, por conseguinte, tem passe livre para entrar no território dos peixes fazendeiros. Isso porque os resíduos produzidos pelo invertebrado ajudam a fertilizar as algas das quais os peixes se alimentam.
Os camarões acabam beneficiados também porque dentro do território do S. diencaeus eles não encontram predadores, podendo se alimentar e reproduzir livremente. Isso caracteriza uma relação que pode ser o primeiro caso de domesticação envolvendo vertebrados que não sejam humanos, de acordo com o estudo disponível no periódico Nature Communications.
A ecologia da domesticação de camarões
Ainda há muito debate na comunidade científica sobre o conceito de domesticação. Muitos autores afirmam que o animal domesticado precisa passar por alterações genéticas para que o processo se concretize, enquanto outros pesquisadores afirmam que isso não é necessário. De uma forma ou de outra, há uma relação ecológica evidente entre o S. diencaeus e esses invertebrados que eles protegem. Isso porque ambos se beneficiam da relação. Ou seja, o peixe recebe os nutrientes que precisa para alimentar suas algas e, portanto, seu próprio alimento. O camarão, por outro lado, recebe um território seguro, livre de predadores, onde pode se alimentar e desenvolver uma população estável. Até esse ponto há um caso evidente de mutualismo: duas espécies que podem sobreviver sozinhas, mas vivem melhor juntas.
Vale ressaltar que esse tipo de domesticação é um tanto diferente daquela praticada pelos nossos ancestrais. Cães e gatos se tornaram animais domesticados pelo caminho do comensalismo – atraídos por restos de comida dos humanos. No caso dos peixes em questão temos uma forma mais inédita de domesticação, baseada na proteção de predadores. Dessa forma os peixes recebem recursos que ajudam na sua sobrevivência enquanto os camarões recebem proteção ao longo de gerações. Isso, segundo os autores, caracteriza a domesticação desses invertebrados.
O artigo está disponível no periódico Nature Communications.