Toda sociedade é plural. A brasileira não é exceção. Pluralidade que deveria estar representada nos Parlamentos. Deveria, mas, infelizmente, não está. E isto é péssimo. Pois, não sendo, um ou outro segmento dessa mesma sociedade deixa de se ver nos Legislativos. O que provoca o travamento da democracia, até porque o viver democrático requer a participação de todos, não a de alguns poucos. Qualquer exclusão, mesmo como resultado do voto nas urnas, está longe, bastante distante do processo democrático, o qual não anda, nem avança, continua travado, tal como o cavalo velho empacado. Empacado, o Estado e seus habitantes perdem muitíssimo. E para se evitar isso, a representatividade do plural deve acontecer. Talvez, por isso, o pluripartidarismo.
Afinal, o país do discurso único é próprio das ditaduras. Ditaduras que, ao serem instaladas, procuram extinguir as agremiações existentes, até para melhor controlarem a população. Foi o que fizera, a propósito, a ditadura burocrático-militar no país (1964-85). Uma vez vencida, ocorrem as aberturas de espaços. Espaços para as vozes variadas e diversas. Vozes que precisam e devem se fazer ouvidas, e, aos serem ouvidas, o país começa a caminhar nos trilhos da liberdade. E são estes, claro, que alicerçam toda a vida em democracia. Vida democrática que não se dá sem os partidos políticos. Estes, quando enfraquecidos, empobrecem a política, e, por tabela, dificultam o expressar dos desejos das minorias. Isto porque a política é a gestão de desejos, bem como a gestão de conflitos entre desejantes.
Justifica-se o porquê da existência de várias siglas partidárias. Embora haja, e sempre há, quem se posiciona contrário a mais de dois partidos. Estranhamente igual defesa do regime militar, e não precisa ser um Mandrake para saber de suas razões. Ainda que venham a alegar que uma maior quantidade de siglas é sempre “prejudicial”. Não é bem assim, cabe dizer, e enfaticamente, até para não deixar qualquer dúvida a respeito. A discussão deveria ser muito outra, a saber: grande quantidade de partidos significa, realmente, que o apoio eleitoral é plural? É esta a questão importante. O que leva a cada pessoa a seguinte constatação: no Brasil, a grande quantidade de partidos, a exemplo dos de hoje (trinta e três), dificulta o conhecimento dos eleitores sobre elas, e, não os conhecendo, têm dificuldade de se identificarem com qual das siglas. As coligações, amarradas com siglas sem nenhum traço ideológico, também são um complicador. Situação que se agiganta a cada eleição, com a fragmentação das legendas partidárias.
Há uma coisa, contudo, que precisa ser dita, antes que se tenha toda uma avaliação distorcida: o grande número de partidos não é o problema. O problema está na personalização das agremiações. E isto não é de hoje. Sempre foi assim, e assim será. Tanto que a imensa maioria do eleitorado desconhece cada uma delas, mas sabe quem são seus coronéis, chefes e seus chefetes políticos, e como cada um deles age, sempre em favor de seus interesses particulares e individuais. O que fazem destes as próprias agremiações, tornando-os bem maiores que elas, as quais, cada vez mais, se fortalecem apenas como locais onde se carimba o passaporte para alguém ser candidato a um dado cargo eletivo. Eis, aqui, o cerne da questão. Questão tão clara quanto a água do rio no seu nascedouro, sem ainda os dejetos que lhe são jogados ao longo de seu caminho, e que carece ser investigada, analisada, até para se evitar que tenha mais e maior enfraquecimento dos partidos. Enfraquecimento que permite as mais variadas aberrações, inclusive a de agressão ao estatuto partidário, com o desrespeito às decisões e às deliberações das siglas.
Situação que abre brechas para políticos, em época de campanha, se apresentarem contra os partidos, além de se definirem como “não político”, contrários ao “establishment”, ou até mesmo representantes da anticorrupção e da honestidade como se fossem moralizadores da “velha política”. Jogo de cena. Manipulam as imagens. Fazem malabarismo com as palavras. Nada mais. É isto.
*Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.