Um ano após o anúncio da pandemia pela Organização Mundial de Saúde e da primeira morte oficial no Brasil em decorrência da Covid-19, o que temos? O mundo tem experiências bem sucedidas de vacinação e, apesar disso, ainda reflete os cuidados indicados pela comunidade científica: máscaras, álcool 70%, distanciamento social e políticas de auxílio à população. Mas e o Brasil?
O Brasil segue na contramão de tudo. Por mais que, vez ou outra, o Governo Federal – e a maioria dos governadores e prefeitos também - se esforce para tentar demonstrar que está fazendo alguma coisa em prol do povo, não adianta, suas ações são bastante explícitas. Não vê quem não quer, ou prefere viver às cegas, no famoso “me engana que eu gosto”. Tem sempre alguém do grupo “prefiro não saber para não sofrer”, e enquanto finge não sofrer, sofre todo o coletivo.
Há também, um ano depois, a persistência dos negacionistas, que apesar de incomodarem estão em número menor. “Terra plana”, “nunca morreu mais de mil pessoas por dia”, “não foi isso que o presidente quis dizer” são frases que a gente até escuta de vez em quando, mas são tão descoladas da realidade que da para fingir não ler ou escutar.
O que não dá para ignorar, no entanto, é a postura negacionista daqueles que estão no comando. Não há colpaso no SUS e nenhum risco de colapsar? O medo, o cuidado e o luto são “mimimi”? O aumento do dólar é bom? Onde é que a imprensa tem de colocar a máscara? Parece surreal, mas infelizmente é a realidade brasileira e fugir só nos complica ainda mais. Essa triste realidade nós temos de encarar e enfrentar.
Enquanto o mundo começa a enxergar um horizonte, começa a ter esperança – vinda da ciência, é bom lembrar -, o Brasil se afunda no medo, enterrando cada dia mais mortos. O Brasil perdeu o posto de 10ª economia mundial, mas continua bem, em 12º (entre 193 países!). O Brasil tem um sistema de saúde universal que é referência mundial – o SUS -, inspirado nos sistemas inglês e canadense. O Brasil tem 69 universidades federais clamando pelas condições de desenvolver todo tipo de ciência possível para sair deste caos. Nós tínhamos tudo para ter uma das melhores reações do mundo contra a Covid-19. Mas o que temos?
Temos medo, porque estamos enterrando mais de duas mil pessoas por dia - irmãos, amigos, pais, filhos, vizinhos. Temos medo, porque a vacina não chega, e essa demora pode aumentar o caos com o surgimento de novas cepas. Temos medo, porque os representantes públicos fazem piada e rejeitam, ou simplesmente ignoram, acordos para adquirir vacinas. Temos medo, porque os interesses financeiros importam mais aos nossos governantes do que as nossas vidas. Não é descaso, nem ignorância. A política neoliberal é essa.
É por essa política que nós também temos fome, e a projeção é que além de fome tenhamos, num futuro próximo, ainda mais dificuldades no acesso e na qualidade da saúde e educação públicas. É isso que representa a PEC Emergencial 186, aprovada na Câmara essa semana. Em troca de um auxílio vergonhoso de R$ 250 para amenizar um presente revoltante, com 13,4 milhões de desempregados, sacrificam nosso futuro. E quanto mais longe a possibilidade de obter uma vida digna, nós já sabemos: mais violência.
O Brasil tem todas as condições de oferecer muito mais do que isso ao seu povo. Os governos não o fazem porque não querem. Nós temos medo e temos fome. E o que a gente sente, nenhuma palavra pode encobrir, não se pode enganar.
*Luana Soutos é jornalista e socióloga