E por falar em música boa, escrevo novamente inspirada por uma obra prima brasileira. Quem não se lembra do coração partido de Cazuza ao falar sobre ideologia? Das ilusões todas perdidas e dos sonhos todos vendidos? A letra me veio à cabeça imediatamente quando li o comentário de um rapaz num artigo de opinião que criticava as políticas do governo Bolsonaro. Ao autor, o leitor escreveu: “Muito interessante seu ponto de vista. Bem partidário. Portanto, não serve”.
Objetivo o menino, não é? Ou foi bem treinado para destruir as ilusões alheias, ou é apenas mais uma vítima da produção em massa de desiludidos.
Acontece que essa semana também há outra ótima fonte de inspiração: a comemoração dos 150 anos de Rosa Luxemburgo, em 5 de março. Pois é, algumas pessoas nunca morrem! Assim como Gramsci e outros autores marxistas, Rosa contribuiu enormemente para tirar uma importante venda dos nossos olhos. Ela ajudou a desvelar o sistema de dominação utilizado pelos detentores de poder de sua época - que na verdade continuam sendo mais ou menos os mesmos de hoje.
Assim, diante de duas excelentes inspirações, uma proveniente da arte e outra dos estudos sobre as sociedades – duas áreas tão temidas pelos desiludidos -, não tive dúvidas, decidi conversar com esse leitor.
O sentimento de desilusão é uma das ferramentas que servem para nos enganar e nos deixar descrentes de que as transformações do mundo são possíveis. Na verdade, elas são imprescindíveis. E mais, essa transformação se faz por meio da política e do partidarismo. Tem gente que sabe disso e aproveita dessa informação.
Para começar, entenderemos que o termo “partidário” é muito mais amplo do que a menção a partido político eleitoral. Ser partidário é tomar partido, se posicionar de alguma forma diante de algo. Assim, já deduzimos de imediato que o autor foi, sim, partidário – afinal, ele estava demonstrando sua posição, defendendo sua tese publicamente, num artigo de – observem - opinião. Mas o leitor que o criticou também foi partidário, ao se posicionar contrário aos argumentos.
Hoje em dia, dizer que o caráter partidário de qualquer opinião “não serve” ou é decorrente de uma inocência perigosa e autoagressiva, ou de falta de honestidade. Infelizmente muita gente ainda acredita nessa história de imparcialidade, mas o mundo compreende cada vez mais que essa é a velha “lorota para boi dormir”. Quem trabalha com comunicação sabe bem como surgiu o “conto” de que a imprensa é isenta: século XX, processo de industrialização, uma tentativa da mídia impressa de vender mais jornais a diversos públicos. No Brasil ainda cola, mas em outros países, como nos Estados Unidos, já não é mais assim.
Aliás, qualquer pessoa com o mínimo de criticidade que leia um jornal, assista qualquer coisa na televisão - do jornal ao filme -, consegue compreender que aquela mensagem não está isenta de algum objetivo. Afinal, quem vai abrir a boca para falar qualquer coisa sem nenhuma intenção? Que seja pedir água. A comunicação existe para isso: trocarmos opiniões, ideias, posições, e construirmos a partir isso.
E é plenamente possível construir, embora o processo de destruição dos corações, operado pela ideologia dominante, continue atuando. Para eles não é interessante mudar. Assim, o leitor que se achou não partidário apontando um autor partidário está operando partidariamente, talvez contra si mesmo.
O “partidarismo” está em todos os lugares: escolas, igrejas, Judiciário, Legislativo, nos governos todos, nos ministérios, na vizinhança, dentro das casas, nas palavras, nos textos científicos, neste texto. Cazuza queria uma ideologia para viver, e elas são necessárias. Tenhamos consciência daquilo que estamos defendendo.
*Luana Soutos é jornalista e socióloga.