Procura-se familiares. Dentro das câmaras frias do Instituto Médico Legal (IML) de Cuiabá, onze corpos não identificados são preservados. Eles estão à espera de um familiar que os nomeiem e os sepultem. O prazo de espera por um reclamante é, em média, de 15 dias ou até o espaço atingir sua capacidade máxima, até 28 corpos. Caso esse indivíduo não seja identificado ou reconhecido por nenhum parente, ele será enviado ao serviço funerário municipal e enterrado como indigente.
Em 2020, 20 pessoas foram enterradas sem nenhuma cerimônia, sem a despedida de parentes e/ou amigos. Atualmente, quinze corpos encontram-se sem identificação no IML de Cuiabá.
No que cabe ao IML, a entrada de um corpo sem identificação passa por processos de apurações das circunstancias e causa da morte e identificação técnica. Os métodos de identificação realizados são: identificação através das impressões digitais (papiloscopia), através da arcada dentária (odontologia legal) e através do DNA (identificação genética). O fato que mais dificulta o processo é a inexistência de RG´s em nome da pessoa.
“Os corpos não reclamados, independentemente de serem identificados ou não, tem o prazo médio de 15 dias para serem enviados para sepultamento. Este prazo leva em consideração os cinco dias para que o IML comunique o Núcleo de Desaparecidos da D.H.P.P, e em seguida oficialize as autoridades competentes sobre os procedimentos de sepultamento realizado pelo serviço funerário municipal”, explica a Politec.
Em caso de superlotação, os corpos de vítimas de morte não violenta não reclamados podem ser doados para estudos de anatomia e pesquisas de universidades que requisitarem. “As doações são feitas esporadicamente, pois, a grande maioria das vítimas são de natureza criminal”, ressalta a Politec.
Ronaldo Magalhães Viana, 39 anos, só não foi enterrado como indigente por causa de uma queixa criminal registrada no sistema se segurança do estado. Ele morreu em decorrência de ferimentos causados por um atropelamento. Sem documentos, a vítima foi levada à um hospital público da capital e morreu três dias depois, no dia 17 de novembro do ano passado.
O corpo de Ronaldo ocupou uma das câmaras frias do IML durante 40 dias, até ser identificado nos arquivos policiais. A notícia de sua morte, seu nome e foto foram divulgados pela impressa e nas redes sociais, quando foi reconhecido por um de seus irmãos.
“Meu filho ficou sabendo pelas redes sociais. No outro dia formos buscar ele [Ronaldo], mas eu nem pude ver direito. Já estava em um caixão fechado”, lamentou Veridiana Magalhães Viana, de 60 anos, a mãe de Ronaldo.
Ronaldo foi o primeiro dos três filhos de Veridiana. Ele era solteiro e deixa um casal de filhos. Para Veridiana, o filho mais velho era uma pessoa tranquila, trabalhava como mecânico e tinha o hábito de “desaparecer”.
“Ele morava sozinho e as vezes sumia e a gente ficava sem notícias dele, mas logo aparecia de novo. Mas dessa vez ele demorou demais. Toda vez que ele sumia eu marcava na folha do calendário, a última vez foi no dia 20 de setembro e fiquei preocupada, por que ele não demorava muito pra vir aqui. Em outubro eu fui lá e não achei ele, mas estava vivo. Foi em novembro que ele foi atropelado”, recorda Veridiana.
A DESPEDIDA
Religiosa, Veridiana tem dificuldade em assimilar o que aconteceu com o filho, mas agradece por ter a chance de ter se despedido do filho.
“Ainda bem que o espírito santo avisou a gente, para saber que ele partiu. Senão ia ficar procurando por ele o resto da minha vida. Não me conformo com isso, tem vezes que não acredito, eu não esperava que fosse assim. Agora tenho que ver o que faço da minha vida para ter sentido”, desabafa.
A psicóloga Sani Neves explica que a despedida de um parente ou amigo é necessária e põe fim à angustia da família. “A despedida é importante porque é um fechamento de um ciclo, para que, apesar da dor, os ciclos do luto possam ser vivenciados e a vida prossiga como deve ser. Sem a despedida fica difícil viver o luto e lidar com a saudade”, explica a Sani.
A maioria dos corpos enterrados como indigentes ou não reclamados por familiares são de andarilhos, moradores de rua, usuários de drogas, pessoas que passam por longos períodos sem comunicação ou distantes do convívio familiar.