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Cidades Terça-feira, 22 de Setembro de 2020, 10:44 - A | A

Terça-feira, 22 de Setembro de 2020, 10h:44 - A | A

DEVASTAÇÃO

O Pantanal nunca mais será o mesmo

Felipe Leonel

Mesmo se houver uma forte recuperação, o Pantanal, um dos biomas mais ricos do mundo, nunca mais será o mesmo. A devastação causada pelos incêndios de grandes proporções causou irreparável perda na flora e fauna. A avaliação é do coronel da reserva do Corpo de Bombeiros Paulo Barroso, que trabalha no combate aos incêndios na região pantaneira de Mato Grosso.

Barroso destaca também que não há instituições e nem quantidade de combatentes o suficiente para conseguir conter o fogo, já que, além da enorme proporção, ocorre em três dimensões: na superfície, na copa das árvores e no subterrâneo.

O último grande incêndio que ocorreu na região foi há cerca de 15 anos, porém, não teve a mesma proporção dos incêndios que vêm ocorrendo neste ano de 2020. “Não dá para afirmar quando o Pantanal vai se recuperar, mas com certeza nunca vai ser como foi”, destaca Barroso, durante entrevista concedida em evento realizado pelo Senado Federal, na região pantaneira de Poconé no sábado (19).

Segundo o coronel, a legislação ambiental brasileira pode ser a grande culpada pela maior perda da biodiversidade brasileira das últimas décadas. Isso porque ela trata todos os biomas de forma igual e, de acordo com Barroso, que também é presidente do Comitê Nacional de Gestão de Incêndios Florestais, os diferentes biomas brasileiros devem ser tratados de forma individual.

"Nós entendemos que os problemas de incêndios florestais têm que ser tratados por biomas. Nós temos o bioma Amazônico, lá vamos tratar o problema para o bioma Amazônico, que é uma forma diferente de tratar para o bioma Pantanal, que é diferente de tratar para o bioma Cerrado, que é diferente dos demais biomas", afirma.

Gilberto Leite

visita pantanal

 

EXCESSO DE FISCALIZAÇÃO PREJUDICOU
Apesar de este ser o incêndio de maior proporção da região, o homem pantaneiro vê como 'exagerado' o destaque que a imprensa tem dado para o caso. Gerente de uma grande fazenda na região, o pantaneiro Osires Pereira de Arruda, de 63 anos, também critica os órgãos de fiscalização pelo rigor em sua atuação.

Segundo ele, isso ocasionou excesso de biomassa na superfície e, com a grande seca, provocou esses incêndios. Até o momento, o fogo já consumiu 10% do Pantanal e só deve acabar quando vierem as fortes chuvas, o que deve ocorrer somente em meados de outubro.

"Hoje você não pode ter uma máquina para limpar o pasto, não pode fazer nada porque eles prendem, multam. São os 'mal-entendidos', que infelizmente tem demais", afirma.

Ainda segundo Osires, o fogo pode ter começado de vários pontos, podendo ser de bitucas de cigarro ou até mesmo acidentes. Porém, ele destaca que alguns produtores podem ter perdido a paciência pela espera da chuva e terem utilizado da prática com o clima muito seco.

"A queima a frio que nós falamos tem que esperar chover primeiro para depois pôr fogo. Então, antecipou isso. Não esperamos a chuva, não esperamos nada, aí o fogo veio. Esse fogo veio de onde? De vários pontos, temos o Sesc que é de 100 mil hectares de terra, ao lado têm os índios e têm os rios que têm os turistas, os pescadores que podem jogar um toco de cigarro”, apontou.

Muitos bichos morrerão de fome
Segundo o biólogo e apresentador de televisão Richard Rasmussem, a fauna é a mais prejudicada neste desastre; já a flora apresenta melhoras. Ele prevê que muitos animais vão morrer de fome no Pantanal. Ele veio a Mato Grosso para produzir alguns episódios do programa 'Brasil Biomas' da TV Cultura.

"A fauna vai demorar mais. A flora, se você andar pelos campos queimados, já vai começar a ver brotos verdes. Mas a fauna, realmente, ela vai sofrer mais. Agora vai morrer mais bicho de fome do que queimado, essa é uma realidade", afirmou ao Estadão Mato Grosso. Ele destacou que tem trabalhado para levar água e comida aos animais para evitar uma tragédia ainda maior.

Segundo ele, a queima na região é uma perda para todos os brasileiros e não passará batido em seu programa televisivo. O Pantanal abriga quase 1.000 espécies de animais e é endereço do maior refúgio de onças-pintadas do mundo; atualmente, são mais de 2 milhões de hectares perdidos por conta das queimadas.

Gilberto Leite

richard pantanal

 

A ONG SOS Pantanal revelou que mais de 90% dos incêndios são causados pelo ser humano, alguns acidentais, outros criminosos, e o fogo que consumiu o Pantanal, entre janeiro e setembro, equivale a 15 cidades de São Paulo.

"Em 20 anos de televisão, sempre preferi olhar para as coisas bonitas e não para as coisas feias. Mas neste caso não dá para vir pra cá e passar batido. Eu vim pra cá, já estava na programação, estou há cinco meses gravando o Pantanal. São 54 programas só pelo Pantanal, eu vim pra cá e não estava esperando encontrar essa proporção de desastre", disse. Três episódios serão dedicados a contar a história das queimadas.

Revisão do Código Florestal
O deputado federal Dr. Leonardo (Solidariedade), morador de Cáceres, que também é no Pantanal, defende que o Congresso Nacional traga realmente a discussão sobre uma revisão do Código Florestal para dentro das Casas legislativas e que ouça os moradores do Pantanal. Além disso, ele defende que as tratativas não fiquem apenas no campo ideológico.

O Pantanal fica localizado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além de alcançar a Bolívia e Paraguai, por isso ele defende uma lei federal para tratar da região.

"O passo inicial é desta forma, com essa comissão e que traga todos esses bons projetos que estão engavetados à luz e que a gente possa discutir num debate sério, democrático, equilibrado, observando todos os lados. Não só um lado, o viés ideológico, mas que a gente escute realmente o homem pantaneiro", disse.

Dr. Leonardo ainda exigiu respeito à população local e criticou ‘ambientalistas’ que nunca foram ao Pantanal. Ele destacou também que durante a tragédia centenas de pessoas se voluntariaram para combater os incêndios, porém muitos não puderam trabalhar em razão da falta de equipamentos de proteção individual.

Neste mês de setembro, um zootecnista de uma fazenda de Cáceres morreu após ter quase 100% do corpo queimado. Luciano da Silva Beijo, de 36 anos, estava combatendo as chamas juntamente com outros dois funcionários em uma propriedade às margens de BR-070. Eles foram surpreendidos por uma rajada de vento, o que mudou a direção das chamas. Os outros dois funcionários conseguiram correr, mas Luciano tropeçou e foi alcançado pelo incêndio.

"Nós não temos equipamentos de proteção para todas as equipes de voluntários. Nós temos voluntários do Brasil inteiro querendo vir, mas não conseguimos os equipamentos. Não vamos colocar a vida em risco de ninguém. A grande lição que a gente tem é que não tem equipamentos e muitos equipamentos precisaram ser comprados por voluntários, que deram dinheiro", disse.

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