A proposta de privatização da Eletrobras pode gerar mais custos com energia elétrica no Brasil, nos próximos dez anos. A Medida Provisória 1.031, de 23 de fevereiro de 2021, que trata da concessão da Eletrobras à iniciativa privada divide opiniões. Entidades do setor indicam que o impacto da medida será de 14% na conta de energia dos consumidores residenciais. Já os governistas afirmam que a medida advém da incapacidade de investimento da União para atender a demanda nacional.
- FIQUE ATUALIZADO: Entre em nosso grupo de WhatsApp e receba as notícias em tempo real (clique aqui).
A MP já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e agora é debatida no Senado Federal. Conforme o projeto do governo, a intenção é vender ações da estatal e, assim, desestatizar o setor energético do país. Entretanto, o projeto encontra resistência por apresentar alguns “jabutis” - pontos que não têm relação com o tema.
Dentre os penduricalhos está a determinação de que os consumidores paguem também os custos de usinas térmicas a gás natural em locais que ainda não dispõem do combustível. Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), isso significa que, além de pagar pelos custos da energia propriamente dita, os consumidores terão de pagar pela construção dos gasodutos, bem como pequenas centrais hidrelétricas, entre outras.
“Tais mudanças são chamadas de jabutis porque, sem relação com o conteúdo original da medida, foram inseridas no texto na tentativa de que consigam pegar uma carona no processo legal”, destaca Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec.
Caso aprovada, essa medida deve gerar um impacto de até 14% nas contas de energia dos consumidores simples, segundo um estudo feito pela Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel).
Representantes de empresas também fizeram seus cálculos. Com a privatização, preveem o aumento das tarifas de energia em 10% para os consumidores residenciais e 20% para os consumidores do setor produtivo, que compram energia no mercado livre. Os dados são da Associação de Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace).
Para analistas do setor, ao abrir mão do controle acionário da empresa o governo federal perde a possibilidade de atuar na formatação de preços.
“Se a empresa for privatizada, a população brasileira perderá essa ferramenta estratégica e será impactada, de imediato, com uma elevação na conta de energia estimada em 14%”, afirma, em nota técnica, especialistas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Do lado do governo, a justificativa para entrega da estatal para o setor privado é que a Eletrobrás registra queda expressiva da capacidade de investimento nos últimos anos, devido a problemas financeiros.
Ao analisar a trajetória dos investimentos da estatal, os números demonstram tendência de crescimento entre 2008 e 2014. A queda começa em 2015 e foi acentuada no período recente. Em 2020, a empresa apresentou os mais baixos níveis de investimentos de sua história, apenas R$ 3,1 bilhões, o que representa apenas 19% do valor investido em 2013, quando atingiu R$ 16,36 bilhões, em valores atualizados pela inflação.
O especialista do Idec, Clauber Leite, lembra que a energia mais cara irá resultar no aumento do custo de produtos. Estimativas da indústria indicam que o gasto médio dos brasileiros com carne, por exemplo, pode aumentar até 7%, chegando a R$ 878,58 por ano. No caso da cerveja e do leite, as altas devem alcançar cerca de R$ 40 e R$ 27, respectivamente.
Eletrobrás é essencial para fontes sustentáveis
Durante a votação da Medida Provisória 1.031/21, na Câmara dos Deputados, foram aprovadas emendas que acrescentaram várias obrigações ao texto original. Dentre elas está a determinação da contratação de 6 GW de energia de usinas termelétricas a gás natural e a renovação de contratos de usinas de fonte renovável, como a solar e a eólica.
Entretanto, para os analistas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), manter a Eletrobras como estatal é fundamental para o avanço da transição energética no país para uma matriz sustentável.
“No momento atual, há um consenso sobre a necessária articulação entre os esforços de recuperação da crise social, econômica e sanitária e as medidas de enfrentamento às mudanças climáticas, que envolvem a descarbonização da economia e a transição para uma matriz energética sustentável”, destacam, em nota técnica.
Conforme previsto pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a transição para uma matriz energética descarbonizada exigirá um pesado programa de investimentos em energia hidrelétrica e, principalmente, em energia eólica e solar. Dessa forma, será possível reverter a tendência de aumento da participação de usinas termelétricas nos próximos anos, fontes de energia mais caras que existem no país.
“O Brasil possui enorme potencial de geração de energia limpa a partir das fontes eólica e solar que, se aproveitadas, poderão no futuro economizar água dos reservatórios, garantindo seu papel de “bateria” e, ao mesmo tempo, evitar o acionamento ou mesmo levar ao descomissionamento de usinas termelétricas, que são poluentes, além de muito mais caras. Acresça-se a isso que os grandes reservatórios da Eletrobras podem ser parcialmente utilizados como plataforma para a instalação de usinas solares flutuantes, reduzindo ainda mais o impacto ambiental”, diz o texto.