Uma gata da raça Maine Coon que virou protagonista da campanha eleitoral americana por conta de boatos de que imigrantes estavam comendo animais de estimação foi encontrada sã e salva. Em vez de estar no prato de haitianos, ela estava escondida no porão da casa da dona.
Seu desaparecimento na cidade de Springfield, Ohio, no fim de agosto, ajudou a fomentar um boato espalhado por grupos supremacistas e anti-imigração que foi amplificado pela campanha de Donald Trump e de seu candidato a vice, J.D. Vance.
O boato foi repetido por Trump no debate eleitoral contra a democrata Kamala Harris. Ele foi desmentido ao vivo pelo mediador e acabou virando meme nas redes sociais.
"Em Springfield, eles [imigrantes] estão comendo os cachorros.", disse o ex-presidente. "Eles estão comendo os gatos. Comendo os pets das pessoas que moram lá".
Dias antes, J.D. Vance havia compartilhado em suas redes sociais que seu gabinete havia recebido "várias denúncias" de habitantes sobre imigrantes haitianos roubando animais de estimação para comer.
No próprio dia do debate, no entanto, o candidato a vice disse que era possível que "todos esses rumores sejam falsos".
'Miss Sassy Pants' desaparecida
Questionado pelo jornal americano "The Wall Street Journal" sobre o boato, um porta-voz de Vance um boletim de ocorrência registrado por uma moradora de Springfield, Anna Kilgore, reportando que sua gata de estimação talvez tivesse sido roubada por seus vizinhos haitianos.
Em uma postagem de 27 de agosto no Facebook, em uma comunidade chamada "Animais Achados e Perdidos de Springfield, Ohio", há uma postagem de Kilgore pedindo informações sobre sua gatinha desaparecida, Miss Sassy Pants.
A própria residente, no entanto, recebeu o "Journal" em sua casa e afirmou que Miss Sassy retornou sozinha à casa alguns dias depois da postagem, e foi encontrada no porão.
Kilgore, que é apoiadora de Trump, disse ao jornal que pediu desculpas para seus vizinhos haitianos com a ajuda de sua filha e de um aplicativo de tradução do celular.
A campanha de Trump tem focado amplamente na imigração ilegal nos EUA e reforçado preconceitos contra populações estrangeiras, sobretudo negras. No mesmo debate, Trump repetiu a narrativa de que os EUA estão sendo invadidos por imigrantes ilegais provindos diretamente de presídios e manicômios de outros países — o que também é falso.
Boato desmentido foi reproduzido por republicanos
Apesar de desmentido, a campanha de Trump continuou a repercutir e amplificar o boato.
Em 6 de setembro, começou a circular na rede social X uma publicação que compartilhava o que parecia ser uma captura de tela de uma postagem em mídia social, aparentemente nos arredores de Springfield.
A postagem retuitada falava sobre a “amiga da filha do vizinho” da pessoa ter visto um gato pendurado em uma árvore, pronto para ser desossado e comido, e alegando, sem provas, que haitianos moravam na casa.
A foto ao lado mostrava um homem negro carregando o que parecia ser um ganso canadense pelas patas. Essa postagem, cuja imagem não foi feita em Springfield, Ohio, continuou a ser compartilhada nas redes sociais.
Outros republicanos compartilharam postagens semelhantes. Entre eles estava o senador do Texas Ted Cruz, que postou uma foto de gatinhos com uma legenda que dizia para votar em Trump “para que os imigrantes haitianos não nos comam”. O próprio Trump reproduziu uma imagem feita por inteligência artificial em que aparecia em volta de gatinhos.
No debate, Trump mencionou os pets no momento em que estava criticando a política migratória da gestão de Joe Biden e Kamala Harris, afirmando que os democratas permitiram a entrada de milhões de estrangeiros nos Estados Unidos.
Em relação à afirmação de Trump no debate da ABC, a administração local disse que não há registros de imigrantes roubando e comendo pets de moradores.
Haitianos em Springfield
Nos últimos anos, Springfield recebeu cerca de 15 mil imigrantes haitianos, o que impulsionou a economia local. Por outro lado, serviços sociais e de educação ficaram sobrecarregados. As autoridades disseram que não houve aumento de criminalidade.
Líderes da comunidade haitiano-americana dizem temer por sua segurança após o boato. A cidade de 60 mil habitantes vive dias de tensão desde o debate presidencial do dia 10 de setembro, sendo inclusive alvo de diversas ameaças de bomba.