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Opinião Quarta-feira, 07 de Abril de 2021, 15:06 - A | A

Quarta-feira, 07 de Abril de 2021, 15h:06 - A | A

LUANA SOUTOS

Onde estão os interventores?

Luana Soutos*

Há uma ameaça real à paz e à democracia brasileira. Agora mesmo, nesse 31 de março de 2021, quando escrevo. Reafirmo: há uma ameaça real à paz e à democracia brasileira. Seu nome é bolsonarismo. Nesta mesma data, quando devemos reviver as memórias de um dos períodos mais difíceis da nossa história, pergunto: onde estão os interventores?

Cinquenta e sete anos atrás um presidente eleito foi destituído e seu posto, tomado por militares. A justificativa era uma ameaça comunista que nunca se confirmou, simplesmente porque nunca existiu. Foi o começo da ditadura empresarial-militar no Brasil. Algumas décadas antes, quando Getúlio Vargas assumiu o poder também por meio de um golpe (1930), a desculpa, curiosamente, era a mesma: uma ameaça comunista, que ninguém viu.

Essa semana, o novo ministro da Defesa, Braga Netto, mal assumiu o cargo e, na linha bolsonarista, afirmou que a população precisa entender o “movimento de 1964” a partir do “contexto da época”- segundo ele, de ameaça à paz e à democracia. Pelo terceiro ano consecutivo, Bolsonaro e seus seguidores se esforçam para atribuir à data motivos para comemorar, e não repudiar.

Negacionistas, escondem que tudo o que a ditadura militar promoveu nos 21 anos em que perdurou foram ameaças à paz e à democracia. Não é interessante? Com a justificativa de preservar a paz e a democracia, os governos militares, comprovadamente, torturaram, mataram, perseguiram, e cercearam as liberdades coletivas e individuais. Isso é paz? Os militares censuraram a imprensa, proibiram a formação de entidades coletivas como sindicatos e partidos, fecharam o Congresso Nacional e impediram a realização de eleições diretas. Isso é democracia? 

Infelizmente parte da população se deixa enganar pelo discurso reacionário. Poucos se perguntam quais seriam as ameaças comunistas à paz e à democracia. Você já se perguntou sobre isso? Se a resposta for sim, certamente concordará que a “grande ameaça comunista” sempre foi, na verdade, uma desculpa esfarrapada para estreitar a relação - já promíscua - entre Estado e Mercado.

Agora que a ameaça à paz e à democracia no Brasil não é comunista, mas capitalista, onde estão os interventores?

Em 21 anos, os militares endividaram o país com obras como a Transpantaneira, que rendem prejuízos financeiros e ambientais até hoje. Iniciaram esquemas de corrupção que nos enojam até os dias atuais, envolvendo Odebrecht e Camargo Correa, por exemplo. Paulipetro, Coroa-Brastel, Projeto Jari, Escândalo Itaipu são alguns outros, e seriam muitos mais se não tivessem queimado e escondido documentos importantes da época.

As últimas movimentações de Bolsonaro representam um risco real à paz e à democracia. Embora, aparentemente, ele não tenha o apoio necessário para engendrar um novo golpe militar, ao menos a intenção ele já demonstrou ter muitas vezes, ao exaltar o período e uma das figuras mais perversas, Brilhante Ustra; ao dizer que a ditadura deveria ter matado ao menos 30 mil; ao ensinar ao filho que é muito fácil fechar instituições como o Judiciário. Na democracia burguesa que construímos, de base liberal, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são essenciais para evitar regimes autoritários. 

A ditadura militar deve ser lembrada, sim, como um período devastador, que nunca mais deve ser repetido. Outros países da América Latina, como Chile e Argentina, têm marcas pelas cidades para que ninguém esqueça, jamais, os crimes absurdos cometidos pelas ditaduras militares. Os museus e as escolas ensinam que ninguém deve defender ou homenagear esses períodos sanguinários, que massacraram as populações de diversas formas. É assim que o Brasil deve lembrar a ditadura militar, com ódio de um período sujo, de uma tragédia torpe.

 

*Luana Soutos é jornalista e socióloga.

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