As lições de Górgias ainda são bastante atuais. Seguidas, e tão bem seguidas tanto no campo Jurídico quanto no político, ainda que muitos dos atores de cada um dos ditos campos, sequer, tenham ouvido falar dele, nem tivessem contato com suas referidas recomendações. Não as conhecem, tampouco nada ouviram a seu respeito. Mesmo assim, sem os saberem, reproduzem as táticas do velho mestre dos atenienses. Górgias era um jogador. Jogava com as palavras e ideias, sem ser o seu inventor. O tal jogo, acredita-se, foi criação de Heráclito, e este, contudo, foi esquecido, assim como ignorado o que dissera, tão logo se adotou o vale tudo, gorgiano, com o sentido deixado de lado, e o discurso distanciado das realidades. Prevaleceram, assim, o malabarismo de palavras e a manipulação dos fatos, como se estes pudessem ser mudados de acordo com as conveniências. Não só governantes, mas um sem número de populares que, por força das redes sociais, passaram a falar de um tudo e opinar sobre qualquer coisa, sem ao menos ter lido fontes confiáveis e escutado opiniões de especialistas.
Vivem-se sob o signo do lysenkoismo, recusam-se o contraponto, e, desse modo, rejeitam o papel do sábio: “ao ser escudado num saber que o excede, não joga, escuta”, até porque “o jogador exerce o que faz, aparece no que faz”. Ao rejeitarem tal regra basilar, abominam o diálogo, e transformam o debate ou a discussão em uma briga de rua, deles contra os outros, os quais sempre chamados de esquerdopata e comunistas, mesmo que venham a desconhecer completamente os sentidos destes termos. E pior ainda: em um debate ou discussão, “o conflito é de palavras, com palavras”, jamais confundido com devastação e ataques pessoais. Além do mais é num diálogo, num debate, que brotam os conceitos, coisas despertam, teses são derrubadas ou reforçadas, e isto realça a pluralidade em uma estrutura sólida de liberdade, pois é esta, não a violência, a argamassa onde se assenta os tijolinhos da democracia. Assentados sempre de acordo com o esquadro, prumo e o nível. Ou seja, não se tem democracia sem o respeito às regras, as normas e as leis.
Daí a necessidade premente da defesa do estatuto do Estado e da preservação das instituições. A depredação destas e o rasgar daquela são agressões ao país, a Nação e ao povo. Comete, portanto, crimes o governante que incita, instiga parte da população contra o patrimônio público, a exemplo do que fizera o atual presidente estadunidense que, em discurso, estimulou parte de seus apoiadores a invadir o Congresso Nacional. Ainda mais, valendo-se de mentiras e de acusações sem provas, com o fim de impedir que os congressistas cumprissem o que deveriam cumprir, pois se trata de um ritual eleitoral.
Curiosamente, até para não dizer aqui um palavrão, há quem vem a público para elogiar o condenável, com frases surradas: “cidadão de bem”, “povo na rua”. Deus do céu! Cidadão, povo! Desde quando “cidadão de bem” depreda o patrimônio público? Desde quando “cidadão de bem” tenta impedir que o legal e o moral sejam cumpridos? “Povo na rua”, sem a presença da sua quase totalidade? Igual lengalenga do político que se gaba de ter o povo a seu favor, mesmo que sua vitória eleitoral tenha se dado com ou menos de um terço do eleitorado. Não se assuste amigo (a) leitor (a), com a presença frequente do “povo” nas falações e nos discursos. “Povo” tão somente como peça de retórica. Velha e surrada lição gorgiana, sem quaisquer bases nas realidades. É isto.
Obs.: Tenham todos, caros (as) leitores (as), um grande e abençoado 2021.
* Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.