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Opinião Sábado, 28 de Junho de 2025, 07:40 - A | A

Sábado, 28 de Junho de 2025, 07h:40 - A | A

ANGELIZA SEGURA

Quando a lei vira arma: O que está por trás do silenciamento das mulheres na advocacia?

Angeliza Neiverth Segura*

No Brasil, ainda é comum ver o Direito — instrumento que deveria promover justiça — sendo usado para oprimir, constranger ou silenciar. Esse uso estratégico da estrutura jurídica, com fins de perseguição ou neutralização, tem nome: lawfare. E quando a vítima dessa lógica perversa é uma mulher advogada, o cenário se agrava.

Prolongamento demasiado de processos judiciais, excesso de recursos, ações protelatórias, acusações infundadas e outras táticas que visam desgastar a mulher advogada de maneira física, emocional e até financeiramente, e minar sua credibilidade e reputação.

O silenciamento da mulher na advocacia não ocorre apenas de uma forma propriamente jurídica. Muitas vezes, ele se dá nos detalhes: no olhar atravessado, na interrupção constante, na reprimenda, no julgamento da roupa, no desrespeito à fala. Uma conduta que seria considerada “firme” ou “assertiva” quando parte de um advogado homem, torna-se “grosseira”, “petulante” ou “inadequada” quando exercida por uma advogada mulher.

Estamos diante de um fenômeno estrutural que combina violência institucional, machismo e violação de prerrogativas. E isso não pode mais ser tolerado como parte do "jogo" jurídico. Assédio moral, sexual e simbólico são formas de violência de gênero, e é dever da advocacia — como guardiã da Constituição — enfrentá-las com coragem e efetividade, e não deixar que a lei, de forma irônica, seja utilizada como ferramenta para desrespeitar a própria legislação.

Nesse contexto, a defesa das prerrogativas da mulher advogada não é apenas uma pauta corporativa. É uma ferramenta de justiça social. A Lei 13.363/2016, por exemplo, foi um avanço ao assegurar direitos específicos às advogadas gestantes, lactantes, adotantes ou no puerpério. Mas, ainda hoje, vemos essas garantias sendo ignoradas ou relativizadas no cotidiano dos tribunais e repartições públicas.

Não se trata de privilégios. Trata-se de equidade de condições para o exercício pleno da profissão. O Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada e iniciativas como o Protocolo de Atuação sob Perspectiva de Gênero da OAB/SP são tentativas concretas de reparar as assimetrias geradas por séculos de exclusão feminina nos espaços de poder.

Não é incomum que a violação das prerrogativas da mulher advogada venha acompanhada de práticas de assédio moral, sexual ou institucional. A Convenção 190 da OIT — da qual o Brasil ainda não é signatário — deixa claro que assédio e violência no ambiente de trabalho incluem qualquer conduta que cause dano físico, psicológico, econômico ou sexual. E isso inclui o que muitas de nós vivemos ao sermos interrompidas, deslegitimadas ou constrangidas no pleno exercício da profissão.

A OAB tem um papel crucial nesse enfrentamento. Por meio de comissões, tribunais de prerrogativas e da atuação da advocacia comprometida com a justiça, é possível construir um sistema mais humano, que reconheça e combata as múltiplas formas de opressão que ainda recaem sobre nós, mulheres.

Defender as prerrogativas da mulher advogada é defender a democracia, a liberdade de expressão e o direito à igualdade de oportunidades. É dizer, em alto e bom som, que a lei não pode mais ser usada como arma contra aquelas que ousam ocupar o seu espaço.

*Angeliza Neiverth Segura – Advogada, Vice-Presidente Licenciada do Tribunal de Defesa das Prerrogativas da OAB/MT, especialista em Direito do Trabalho e Compliance.

Cuiabá MT, 28 de Junho de 2025