A presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), desembargadora Serly Marcondes Alves, participou, nesta quinta-feira (05.06), da reunião dos presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais, realizada no âmbito do 88º Encontro do Colégio de Presidentes dos TREs (COPTREL), em Bonito, Mato Grosso do Sul. Um dos destaques do encontro foi a palestra “Inteligência Artificial para eleições (mais) livres, justas e eficientes”, ministrada por Vitor de Andrade Moreira, assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e especialista em Direito Eleitoral, inovação pública e tecnologia.
“Estamos entrando definitivamente no paradigma das eleições algorítmicas. O uso massivo de inteligência artificial, mineração de dados e propaganda hiperpersonalizada exige novas respostas do Estado e da Justiça Eleitoral para proteger o processo democrático”, destacou Vitor Moreira.
O palestrante apresentou um diagnóstico crítico sobre os riscos associados ao uso indiscriminado e não regulamentado da inteligência artificial (IA) em disputas eleitorais. Entre os pontos abordados, destacam-se: a mineração de dados pessoais e o uso de big data para segmentar eleitores e criar mensagens altamente personalizadas; a atuação de IA generativa, que permite a produção automática de conteúdos hiper-realistas e, muitas vezes, falsos; e os casos internacionais, como Eslováquia, Argentina e Romênia, em que o uso de IA para a criação e disseminação de conteúdos enganosos teve impacto direto nos resultados eleitorais.
Com a popularização da tecnologia, o uso da IA tende a crescer de forma exponencial até as eleições de 2026, sendo um cenário de alto risco democrático. Entre as ameaças, estão o perfilamento massivo de eleitores, a formação de câmaras de eco, a disseminação de conteúdos enganosos gerados fora do Brasil, com riscos à soberania nacional e à capacidade do eleitor de tomar decisões bem informadas. Também foi abordado o surgimento das chamadas ciberpatologias eleitorais, como a infoxicação (sobrecarga informacional), pirataria de dados, chantagem psicométrica e a incitação ao conflito social.
“A manipulação epistêmica é hoje uma ameaça real. Ela corrói a autonomia do eleitor ao distorcer o ambiente informacional. Se não houver ação institucional, corremos o risco de comprometer a legitimidade das próximas eleições”, alertou o palestrante.
A presidente do TRE-MT, desembargadora Serly Marcondes Alves, avaliou positivamente o debate. Para ela, o momento exige atenção redobrada, mas também disposição para inovar com responsabilidade. “O tema é urgente e delicado. A Justiça Eleitoral tem um papel fundamental na construção de um ambiente de confiança e segurança para as eleições. O uso da tecnologia deve estar sempre a serviço da democracia e da soberania popular”, afirmou.
Ela destacou que a Justiça Eleitoral já vem atuando historicamente como protetora do processo democrático, com ações firmes no combate à violência política, fraudes e abuso de poder econômico e político. Agora, segundo a desembargadora, é hora de ampliar essa atuação para uma nova dimensão: a garantia da igualdade comunicativa.
“Trata-se de assegurar um ambiente em que diferentes visões possam coexistir com respeito, onde haja pluralidade de coberturas jornalísticas e acesso a informações verificáveis. Sem isso, a liberdade de escolha se esvazia”, destacou a presidente do TRE-MT.
Serly Marcondes Alves defendeu que o Estado brasileiro avance no desenvolvimento de tecnologias eleitorais próprias, com foco em transparência algorítmica, arquiteturas tecnológicas responsáveis e garantia de igualdade algorítmica — ou seja, equilíbrio na distribuição de conteúdos pelas plataformas digitais.
Oportunidade
Apesar dos riscos, a palestra também destacou o enorme potencial da IA como ferramenta pública, desde que utilizada de forma ética, transparente e institucional. A inteligência artificial pode ser uma aliada estratégica da Justiça Eleitoral, especialmente em áreas como a automatização de rotinas administrativas, a melhoria do atendimento ao eleitor com assistentes virtuais, o planejamento logístico preditivo, o monitoramento de desinformação em tempo real, a triagem de processos judiciais, a inclusão de grupos vulneráveis e minoritários e a detecção de ilícitos, como disparos em massa e uso indevido de dados.
“A IA deve ser usada para reduzir desigualdades, ampliar direitos e proteger a integridade das eleições. Ela pode fortalecer — e não fragilizar a democracia, se for incorporada com responsabilidade”, afirmou o palestrante.